segunda-feira, agosto 15, 2011

MÚMIAS DE ITACAMBIRA DESAFIAM PESQUISADORES

Um mistério imerso na bruma do tempo intriga moradores de Itacambira, no Norte de Minas, a 450 quilômetros de Belo Horizonte. Na década de 1950, o rompimento do piso de madeira de uma igreja centenária, no coração da cidade, revelou a existência de um porão onde foi encontrada mais de uma centena de corpos mumificados de homens, mulheres e crianças.
Cuidadosamente arrumados em pilhas, eles não foram decompostos por completo. Todos tinham parte da pele e fios de cabelo preservados, além de resquícios de vestimentas. Ninguém no município, nem os moradores mais velhos, sabia, ou ouvira de antepassados, uma explicação para o estranho achado. Até hoje, o enigma permanece indecifrado.
Durante anos, historiadores, pesquisadores, estudantes e habitantes da própria cidade e de regiões vizinhas, ancorados em rumores de que os corpos mumificados seriam removidos do local para pesquisas científicas, acabaram por danificar as peças. O que sobrou continua sob o assoalho da igreja, mas como um amontoado de ossos humanos desconexos, incluindo mais de cem crânios.
Segundo o secretário de Cultura de Itacambira, Antônio Neto da Silva, restam, hoje, somente três múmias em bom estado de conservação. Elas estão em um laboratório da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro.
Agora, a prefeitura do município mineiro quer resgatar a história. Em outubro do ano passado, enviou um projeto ao Fundo Estadual de Cultura (FEC). O objetivo é conseguir apoio para construir a Casa de Cultura de Itacambira. O espaço também funcionaria como um museu e contaria com uma redoma de vidro, onde seriam colocadas as três múmias que estão no estado vizinho. Outra ideia é restaurar e reconstituir os esqueletos desarticulados.
"Não há documentos ou registros oficiais capazes de comprovar, em definitivo, qualquer das hipóteses levantadas sobre o achado histórico. As datas são imprecisas, uma vez que a informação mais antiga sobre pessoas na região refere-se a 1698", diz o secretário.
Neto explica que o projeto da Casa de Cultura tem como premissa reunir documentos, incluindo os corpos mumificados, que ajudem a desvendar o mistério da deposição dos cadáveres em um mesmo local. "E que também contribuam para contar a história de Minas Gerais", afirma.
O secretário diz que ainda precisa conseguir apoio financeiro para a construção do espaço cultural, mas acredita que o projeto tem potencial para alavancar o turismo na pacata cidade. "Quem visita o município sempre procura saber sobre as lendárias múmias de Itacambira", destaca.
O próprio Neto arrisca um palpite sobre a origem dos esqueletos. Um cemitério precário teria sido criado para receber mestiços e bandeirantes que supostamente travaram duelos sangrentos durante a colonização da região.
"Com o crescimento da cidade, os restos mortais teriam sido removidos para o interior da igreja, onde, posteriormente e durante muitos anos, foram sepultados também moradores locais, uma prática comum naquela época", diz. No entanto, o secretário admite que não há registro oficial nem mesmo relatos de moradores que viveram à época capazes de sustentar a hipótese. Ele atribui ao clima seco e ao solo da região, rico em malacacheta (mica), o estado surpreendente de conservação dos restos mortais.

MORADORES ASSOMBRADOS
Desafio para os pesquisadores, os esqueletos de Itacambira amedrontam muitos dos 5 mil habitantes do município. Enquanto o secretário de Cultura Antônio Neto da Silva retirava parte dos ossos do porão da igreja para mostrar à equipe do Hoje em Dia, adultos e crianças observavam a movimentação à distância.
O aposentado Geraldo Soares da Cunha, de 79 anos, era um deles. Desconfiado, ajeitava nervosamente o chapéu. O semblante transparecia estupefação. Ao ser questionado sobre a origem dos corpos mumificados, desconversou.
Já o trabalhador rural Gentil Soares Caldeira, de 64 anos, aceitou expôr sua versão sobre a história dos esqueletos. "Meus pais contavam que a cidade não tinha cemitério, e os corpos dos moradores eram enterrados debaixo da igreja. Eu perguntava se eles tinham acompanhado algum sepultamento no local, mas os dois respondiam que ninguém tinha presenciado. As dúvidas continuam", diz.
A atitude mais comum na cidade é a de reforçar o mistério. O itacambirense José Ferreira dos Santos, de 57 anos, contou que nem a avó sabia explicar a existência dos ossos. "Prefiro acreditar que os corpos mumificados são dos próprios escravos que ajudaram a construir a igreja. À medida em que iam morrendo, eram enterrados no local", arrisca.
O medo de alguns moradores tem raiz na infância e nos costumes dos mais velhos. Segundo a professora aposentada Maria da Consolação Leão Ferreira, de 70 anos, as múmias de Itacambira eram usadas como ameaça às crianças travessas. "Para aqueles que desobedeciam os pais, o castigo prometido era passar uma noite no assoalho da igreja, ao lado dos corpos mumificados", conta a educadora, que coleciona livros e reportagens antigas sobre as tentativas de desvendar o enigma.
Maria da Consolação cita o trecho de um livro que traz uma das suposições sobre os restos mortais. A hipótese é levantada pelo engenheiro Simeão Ribeiro Pires e pelo médico João Valle Maurício. "Teria algum pajé (curandeiro e conselheiro indígena) da etnia Tapuia se utilizado do curare, veneno violento com propriedades mumificantes, adicionando-o em alta dose à água ou a alimentos de algumas dezenas de brancos que houvessem escravizado a sua tribo, matando-os incontinenti (imediatamente)".
Mas, na mesma obra, Ribeiro Pires e Valle Maurício reconhecem que os esqueletos de Itacambira não são um fato comum, de fácil explicação. Ao contrário, trata-se de um mistério insondável, que desafia o raciocínio dos homens.
A presença de índios na região pode ser comprovada por pinturas rupestres em paredões da Serra Resplandecente, a pouco mais de três quilômetros do Centro da cidade, onde está a igreja matriz. O próprio nome da cidade, “Itacambira”, é de origem indígena. Significa "pedra pontuda que sai do mato".

FUNDAÇÃO COGITA DEVOLVER RELÍQUIAS
O pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Adauto José Gonçalves de Araújo esteve em Montes Claros em 1981, acompanhado dos professores Luiz Fernando Ferreira e Ulisses Confalonieri. O trio estava à procura de informações sobre os corpos mumificados da igreja de Itacambira.
Segundo Araújo, à época, o professor Simeão Ribeiro Pires informou que sob o piso da igreja havia encontrado, há anos, corpos parcialmente mumificados, supostamente removidos de um cemitério próximo por ocasião de sua reforma, no início do século XX.
Ribeiro Pires teria conseguido retirar do porão, para estudos científicos, três cadáveres. Os restos mortais foram guardados na fazenda dele. "Ao visitarmos Itacambira, na presença do prefeito de então, constatamos que nenhum corpo havia, exceto fragmentos de ossos roídos por animais", relembra Araújo. Foi quando o professor Ribeiro Pires decidiu ceder o material que guardou para o pesquisador da Fiocruz.
Atualmente, os três corpos fazem parte do acervo do laboratório de paleoparasitologia da fundação. O conjunto é composto pela parte inferior do corpo de um homem, o cadáver parcialmente conservado de uma mulher e o de uma criança, sem parte do crânio. Todos são mantidos em temperatura ambiente.
A Fiocruz investigou a origem dos corpos e adotou como hipótese mais plausível a de que se trata de cadáveres preservados pelo clima local, extremamente seco, e que provavelmente datam do século XVIII.
Na avaliação do paleoantropólogo e espeleólogo Leonardo Álvares da Silva Campos, que acompanhou os trabalhos da instituição fluminense e também estudou as múmias de Itacambira, os corpos seriam de garimpeiros.
"Alguns crânios chegavam a apresentar, em marcas induvidosas, sinais de cortes e fraturas provocados por picaretas e outros instrumentos, por ocasião dos trabalhos de remoção", diz o especialista, que também é membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais.
Campos explica que era costume enterrar mortos em frente ou ao lado da igreja principal. Ele lembra que Itacambira foi palco da chamada “Guerra dos Papudos” – combate entre bandeirantes à cata de ouro, diamantes e outras pedras preciosas.
O paleoantropólogo acredita que os corpos dos derrotados no conflito foram os primeiros "hóspedes" do adro da igreja, a partir de 1700. O lugar teria sido usado, por um determinado período do século XVIII, como cemitério da cidade. Os pesquisadores da Fiocruz consideram a proposta de transferir as múmias para Itacambira viável, desde que a prefeitura disponha de um local adequado para receber e preservar as relíquias. (Fernando Zuba)

1 comentários:

Anônimo disse...

A Historia da querida Itacambira merce ser preservada.Sou totalmente a favor das múmias serem devolvidas a sua cidade natal, desde que a mesma disponha de toda uma infra estrutura e capital suficiente para preserva-las. Por enquanto acredito que seja melhor elas ficarem onde estão sendo preservadas e pois alem de pertencer aos Itacambirenses elas são na nossa nação elas são patrimônio nacional.