sábado, abril 11, 2009

COMO É QUE O MOTORISTA CONSEGUIU ESSA PROEZA?

Um caminhão desafiou a lei da gravidade na China. Após acidente em viaduto na cidade de Chengdu, ele ficou praticamente suspenso no ar. O motorista escapou ileso.
O "sortudo" perdeu o controle do veículo, que levava um contêiner, em uma curva sinuosa e acabou indo direto contra barreiras de metal. A pancada foi tão forte que o veículo virou. O contêiner caiu em uma rua abaixo, mas a cabine ficou firme.
A cena virou atração local. Muitos motoristas e pedestres pararam para tirar fotos.

TERCEIRO DIA DA GREVE DE FOME: EVO CONTINUA VIVO

EM LA PAZ
Evo descansa em seu terceiro dia de greve de fome, no Palácio Quemado.

O presidente da Bolívia, Evo Morales, completou neste sábado (11) seu terceiro dia de greve de fome, sem que por enquanto haja sinais de uma solução para o conflito com seus opositores. Eles bloqueiam a aprovação de uma lei que possibilitaria a convocação de eleições gerais para este ano.
Após três dias sem comer, mas hidratado com água, balas e chá de coca, Morales passou no sábado no Palácio de Governo por uma revisão médica feita por uma equipe liderada pelo ministro da Saúde, Ramiro Taipa, que apontou que a saúde do chefe de Estado é "estável".
"Ele está estável, não teve nenhuma complicação", disse Taipa, que é médico, ao destacar que o presidente mostrou uma "extraordinária vitalidade", apesar "da medida extrema" que tomou na quinta-feira junto a 14 sindicalistas e líderes sociais.
Os médicos recomendaram repouso a Morales, que neste sábado foi fotografado descansando e rindo sobre um colchão estendido no chão, falando ao telefone, mas sem fazer declarações à imprensa.
REELEIÇÃO
Morales se declarou em jejum para exigir à oposição a aprovação da lei necessária para realizar o pleito de 6 de dezembro próximo, quando tentará a reeleição.
As divergências sobre essa lei eleitoral vinham sendo discutidas no Congresso até quinta-feira passada, quando a oposição decidiu abandonar a sessão denunciando que o Governo não respeitou a negociação que ocorria de forma paralela.
As diferenças se centram na atribuição de uma quota de cadeiras para grupos indígenas, na validade do censo eleitoral e na participação na votação de bolivianos no exterior.

ANA, A FILHINHA DO BBB, SURPREENDE COM ESTE CORPÃO

Jeito de menina em um corpo de mulher. E que corpo! Ana Carolina Madeira, do "BBB", surpreendeu a equipe do Paparazzo, durante o ensaio fotográfico que fez para o site, no sábado, 11, em uma casa na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio.
O corpaço, geralmente escondido em vestidos brancos dentro da casa do Big Brother, foi revelado em trajes sumários ao longo da sessão de fotos. Já as palavras foram as mesmas de dentro do reality show: diretas e espontâneas. Sem pestanejar.
“Acho que vale tudo dentro de quatro paredes. Desde que os dois entrem em acordo. Ah, e tem que ser só duas pessoas (risos)!”, revelou ela ao ser perguntada sobre preferências sexuais.
Para conferir isso e muito mais de Ana Carolina, basta conferir o ensaio completo da sister no Paparazzo, no domingo 12.

PASTOR VAI CELEBRAR CULTO DA PÁSCOA NESSE BOTECO

TIRA-GOSTO
Depois será vez dos dias dos pais e das mães, se der certo.

O pastor de uma igreja na cidade de Little Rock, no estado do Arkansas (Estados Unidos), decidiu inovar e vai celebrar o culto de Páscoa, neste domingo (12), em um bar, segundo a TV americana "Fox 16".
"Nós estaremos reunidos em um bar", disse o pastor Shane Montgomery.
Com a novidade, ele destacou que espera atrair novos fiéis para sua igreja. Até agora, a igreja chamada "The River" (O Rio) tem cerca de 30 membros, de acordo com a reportagem da emissora.
"Isso faz sentido para mim", afirmou o pastor. Segundo ele, se você não consegue fazer as pessoas irem até a igreja, então você tem que levar a igreja até elas. "Se fizer isso, você elimina os obstáculos", destacou ele.
O pastor Montgomery disse que está preparado para as reações negativas, mas destacou que isso não vai ofuscar o impacto positivo da ideia. Se tudo correr bem, ele afirmou que pretende realizar também o Dia das Mães e Dia dos Pais em um bar.

MORRE FUNCIONÁRIA PÚBLICA QUE TRABALHOU 73 ANOS



OPERÁRIA-PADRÃO
Alice Bastos era garota-propaganda da Farmácia Vital Brazil

Morreu, na madrugada desta quinta-feira (9), Alice Bastos, de 92 anos, a brasileira com mais tempo de trabalho numa única empresa. Funcionária estadual, ela trabalhou por 73 anos, sem nunca ter faltado, no Instituto Vital Brazil, da Secretaria estadual de Saúde, em Niterói, na Região Metropolitana. Mesmo depois de aposentada, ela fazia questão de ir ao instituto todos os dias. As informações são do próprio Instituto.
O corpo de Dona Alice – como era carinhosamente chamada pelos colegas – vai ser velado no Vital Brazil, como era seu desejo. O enterro está marcado para as 17h no Cemitério Parque da Colina, em Pendotiba, em Niterói. Ela estava internada desde segunda-feira (6) com pneumonia e anemia.

Um raro exemplo de dedicação ao trabalho, Dona Alice foi homenageada diversas vezes. Em 1988, ganhou o título de “Funcionária Padrão do Governo do Estado do Rio de Janeiro”. Em 2003 passou a ser a garota-propaganda do programa Farmácia Vital Brazil. No ano passado, ela teve sua história contada no livro “Mulheres em Niterói”, da pesquisadora Graça Porto.

Dona Alice começou a trabalhar no instituto quando ainda era menor de idade. Às vésperas de completar 17 anos, depois de perder o pai e com a família enfrentando dificuldades financeiras, ela foi pedir emprego ao cientista Vital Brazil. Trabalhou diretamente com o cientista durante 16 anos, na produção de soros a partir do veneno extraído de cobras.

Ela começou a trabalhar oito anos antes de o então presidente Getúlio Vargas criar a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), em 1º de maio de 1943.

Alice começou a trabalhar aos 17 anos com o cientista Vital Brasil.


sexta-feira, abril 10, 2009

NOVO PNEU DA MICHELIN PODERÁ APOSENTAR BORRACHEIROS


Os novos pneus da Michelin:
Sem ar, sem válvulas, sem compressores, sem reparos, e adeus pneus furados, pois eles já vêm 'furados' de fábrica. Veja algumas fotos dos novos pneus da Michelin.
Esse lançamento está programado para estar logo no mercado consumidor e causará um grande impacto na tecnologia existente. Nenhuma válvula de ar, nenhum compressor de ar em postos de gasolina, nenhum equipamento ou kit de conserto ou borracharia. Poderá até dispensar o estepe.
Devemos sempre estar preparados para novas tecnologias, que tornaram obsoletos vários objetos, como a régua de cálculo, o telex, a máquina de escrever, as pranchetas de desenho, as canetas a nankin, o filme fotográfico, a fita cassete, o disco de vinil, o relógio de corda, o carburador etc.
Aí está mais uma!

DIVERSÃO DE CHINÊS DE 91 ANOS: FAZER SUTIÃS COM NOMES

COMPRAR ONDE?

Ran Yusheng diz que não pretende deixar de fazer sutiãs personalizados.

A idade parece não ser um obstáculo para o chinês Ran Yusheng. Aos 91 anos, ele disse que pretende continuar a fazer sutiãs personalizados para suas clientes, apesar da idade avançada e dos modelos considerados ultrapassados pela própria nora.

"Meus filhos e minha nora me disseram para parar de trabalhar", disse Ran Yusheng, que mora na cidade de Chengdu. "Mas minhas clientes dizem que, se eu parar, onde elas vão poder comprar esses sutiãs?", perguntou ele.
Yusheng, que nasceu em 1918 em Suining, na província de Sichuan, foi mandado aos 15 anos de idade por seu pai para Chengdu, onde começou a trabalhar como aprendiz de alfaiate.
Nos anos 40, ele começou a fazer sutiãs em uma loja de departamentos no movimentado distrito comercial da cidade. Foi nessa época que ele se especializou na arte de fazer a peça feminina.
Mas, quando a loja fechou, Ran abriu seu próprio estabelecimento. Apesar de novas e melhores técnicas, ele ainda faz os sutiãs de forma tradicional, cortando e costurando diferentes pedaços de tecido de algodão para se ajustar à medida da cliente.
Para sua nora, que é agora sua ajudante, os desenhos não são suficientemente modernos para as consumidoras de hoje. "Somente as mulheres na faixa dos 40 e 50 anos estão dispostas a usar tais sutiãs", afirmou Zhou Zibi, de 53 anos.

NÃO SE PODE CRIAR CABRA COMO ANIMAL DE ESTIMAÇÃO

DEU BODE...
Kevin Krug terá que se livrar da cabra Gigi.
O conselho de saúde de South Milwaukee, no estado do Wisconsin (EUA), rejeitou na semana passada o pedido do norte-americano Kevin Krug, de 23 anos, que tentava manter uma cabra como seu animal de estimação, segundo reportagem do jornal "Journal Sentinel".
Com a decisão, Kevin Krug terá que se livrar da cabra Gigi, seu animal de estimação por mais de um ano. Por seis votos a um, o conselho manteve a lei local que proíbe animais exóticos com bichos de estimação na cidade.
Kevin e sua mãe, Gail Krug, estavam em conflito com o município desde de dezembro quando a polícia descobriu que a cabra estava morando na residência da família.
Apesar de levarem 300 assinaturas de vizinhos, o conselho rejeitou o pedido para que a família Krug pudesse ficar com Gigi. "Absolutamente. ninguém teve problema com Gigi, exceto eles", afirmou Gail Krug.

ITALIANOS VIVEM SUA PIOR SEXTA-FEIRA DA PAIXÃO

COMPAIXÃO

Silvio Berlusconi acompanha funeral das vítimas do terremoto.

Os italianos fizeram um funeral coletivo nesta sexta-feira (10) para as vítimas do pior terremoto em 30 anos, que devastou a região central do país. O número de mortos subiu para 289.
Centenas de pessoas se reuniram em volta dos 205 caixões, muitos deles cobertos de flores e fotos. O funeral ocorreu numa academia de polícia na cidade montanhosa de L'Aquila, a mais atingida pelo tremor de segunda-feira. A missa foi conduzida pelo Secretário de Estado do Vaticano, o cardeal Tarcisio Bertone, e começou com uma mensagem do papa Bento XVI. "Nessas horas dramáticas quando uma tragédia atingiu essa terra, eu me sinto presente espiritualmente em meio a vocês e compartilho sua angústia", dizia a mensagem.
Na noite de quinta-feira (9) novos abalos sacudiram as áreas mais atingidas. Às 5h22 (0h22 de Brasília), a terra voltou a tremer na região de Abruzzo. Uma réplica alcançou 3,7 graus de magnitude na escala Richter.
Na noite anterior fora registrado outro movimento telúrico, por volta das 21h30 locais (16h30 de Brasília), de 4,9 graus, que também foi sentido em Roma.
Quatro dias após o terremoto, equipes de resgate ainda retiram corpos dos escompros e a Defesa Civil anunciou que as buscas estão quase no fim. Há 17 mil pessoas vivendo em tendas e outras centenas estão sendo colocados em hotéis.
AJUDA DA UE
O primeiro-ministro Silvio Berlusconi disse nesta sexta que seu país "espera receber entre 400 e 500 milhões de euros (de US$ 525 a US$ 656 milhões) em três anos" provenientes de fundos da União Europeia (UE) em ajuda após o terremoto da segunda-feira.
Em uma entrevista por telefone a um programa da televisão italiana, Berlusconi garantiu que "serão encontrados todos os fundos indispensáveis", e acrescentou que serão necessários dois meses para avaliar todos os danos provocados pelo terremoto.
O primeiro-ministro lembrou que já foram destinados 30 milhões de euro (US$ 39,3 milhões) e que o Conselho de Ministros autorizou ontem o envio de outros 70 milhões de euros (US$ 91,9 milhões) para os trabalhos de reconstrução.
Além disso, o Ministério da Educação usará 16 milhões de euro (US$ 21 milhões) para reconstruir a Casa do Estudante, um colégio maior, no qual morreram vários jovens.

quinta-feira, abril 09, 2009

RESENHA DO RÊ

LULA & DITINHO

Está circulando na net a foto do presidente Lula com o jogador Ditinho, do Funorte, que Cristiano Júnior jura ser verdadeira. Antes de continuar a investigadura, preste atenção na imagem difundida pela galera do Pingoleta. Ou melhor.

www.lapingoleta.blogspot.com


O TEXTO
O presidente Luís Inácio Pomba da Selva (vi essa no Rockgol) teve a honra de receber a camisa da seleção brasileira autografada pelo maior craque existente nos solos norte mineiros.
Ô Ditinho matador, vê se faz um gol pra torcida tricolor...
Lula ainda fez uma proposta para que Ditinho fosse trocado com o Ronaldo no Corinthians, já que o craque do formigão é muito melhor que o gordinho.
Mas fontes próximas ao jogador informam que Ruy Muniz não aceitou a troca. Vamo subir FEC, vamo subir FEC êêêêê...

É o que diz o blog.


FALA, LEITOR I

Régis,
Lembra do Jacson da Estratégia Consultoria? Pois é. Ele acaba de publicar o meu artigo Lula, o bolsa... no seu site. O endereço eletrôn
ico para verificação é o www.estrategiapolitica.com.br/politica/perfil.
Fiquei feliz por alguém de tão longe valorizar um trabalho publicado aqui no O NORTE.
Um abraço companheiro!
Marcelo Valmor

FALA, LEITOR II

Lau, te convido pro meu niver, dia 10/04, onde estaremos recebendo para um agradável dia de confraternização entre amigos mais próximos. Sua presença é imprescindível. Aguardo confirmação. Segue em anexo a foto do casal anfitrião.

Abraços,

Marcos/Jane

Eu fui e tava legal.


EMBAIXATRIZ

Saindo do Planalto para Lisboa, quem está trabalhando feito uma gracinha em terras portuguesas é Claudine Beatriz do Rosário, mãe de Matheus e Emanuelle. Dine desenvolve um trabalho multinacional na agência de modelos Mega, além de fazer mestrado no ISLA. É nossa embaixatriz na Europa.

Com louvores.


FESTA POP

E novamente das Oropas pro sertão, Tony do Mangueira sorteia cem camisas alusivas aos cinco anos do restaurante pop musical da Correa Machado. A festa será no 21 de abril, estando escalados para atendimento: o próprio Tony, Lia, Júnior, Suelen e Sabrina.

Fora Nego Ró.


FRESCOBOL?

Zé Maria Malheiros adquiriu quatro ventiladores movidos a água que, na base do vapor, transformaram inteiramente o clima no Kentura ex-kente.

Esfriou geral.


PROMESSA

Marcos Guimarães estaria disposto a montar um espetáculo teatral no Brejo, se assim for do desejo de Odack Júnior, que deverá assumir a secretaria da Cultura.

Segundo JJ.


VAI-E-VOLTA

João Ramos reaparece após longa temporada em Angola, para onde se prepara para voltar. Está mais culto, mais corado e mais irônico.

Quase ferino.


SUJEIRA GERAL

Agenor até hoje não iniciou o serviço de limpeza das margens da linha férrea. Limpeza ali significa não apenas retirar lixo e entulho, mas dar uma geral na cabeça de marginais que fazem dos trilhos da FCA um dos maiores fotos de consumo de drogas de Moc.

Um horror!


ORFANATO

O presidente do Orfanato Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, Eurípedes Alves da Cruz, estranha a não publicação de direito de resposta sobre denúncia feita na Gazeta pelo Rotary Oeste. Diz que o jeito é publicar aqui.

Né não?


QUE VERGONHA, SÔ!

Borrar rosto de autoridade em foto de reportagem é uma prática tão nefasta que se julgava banida da imprensa brasileira. Infelizmente, alguns resquícios da ditadura ainda pululam em mentes danosas ao exercício da liberdade de expressão.

E da democracia.


VALEU, MÁRCIA!

De tal sorte que vai sobrar muito pouco da bandeira libertária da imprensa para registrar a história do Norte de Minas. Melhor correr à página 12 de O NORTE e ler a entrevista de Fernando Zuba.

O cara.

LUA CHEIA À BEIRA-MAR, NA VISÃO POÉTICA DO ESCRITOR

ESTA IMAGEM FOI CAPTADA À BEIRA-MAR, PELO ESCRITOR E ADVOGADO MINEIRO PETRÔNIO BRAZ, QUE SE ENCONTRA LONGE DAS BARRANCAS DO VELHO CHICO, TRATANDO DE SUA SAÚDE NO RIO DE JANEIRO.

ACUSADO DE INDECÊNCIA NA NET TEM APOIO DA NAMORADA

OLHA O NOME DELA
Tara está disposta a defender o namorado na justiça
Tony Liristis, de 44 anos, namorou Tares Jahshan, de 22 anos, durante quatro meses em 2008. Os australianos romperam a relação, mas agora estão juntos novamente e pretendem se casar. Antes, porém, Tony precisa se livrar de um processo: ele é suspeito de espalhar cartazes com fotos de sua namorada nua e de publicar vídeos de relações sexuais do casal na internet. Ele enfrenta acusações por "indecência e intimidação" e por "destruir" a vida da garota.
Segundo o jornal "The Daily Telegraph", porém, Tares acredita na inocência do namorado e vai ajudar a defendê-lo na Justiça.
O casal se separou em junho de 2008. Dois meses depois surgiram vídeos na internet em que Tares aparecia fazendo sexo com Tony. Pela ruas de Sydney, na Austrália, foram espalhados cartazes com fotos da garota nua. Tony é acusado de agir por vingança.
Segundo as autoridades, foram apreendidos CDs na casa de Tony que continham imagens idênticas às utilizadas nos cartazes. Tony alega ter sido vítima de um golpe: diz que o material foi roubado de sua casa e publicado.
Uma audiência está marcada para 24 de agosto, quando Tares Jahshan vai comparecer como testemunha de defesa do namorado.

PÂNICO NO PLANETA: EVO MORALES FAZ GREVE DE FOME

O presidente da Bolívia, Evo Morales, declarou-se em greve de fome nesta quinta-feira (9) em protesto pela demora do Congresso em aprovar uma lei eleitoral que põe em risco a realização das eleições gerais de 6 de dezembro, na qual ele tenta sua reeleição até 2015. O prazo estabelecido para aprovar a lei eleitoral transitória venceu à 0h desta quinta.

Ele deve ser acompanhado por líderes sindicais e sociais no jejum.

"Diante da negligência de um grupo de parlamentares neoliberais, estamos obrigados a assumir essa medida", disse Morales em discurso no palácio de governo, em La Paz, quando anunciou a greve.

O presidente disse que este é "o melhor momento para obrigar o Congresso Nacional e os senadores de oposição para que aprovem". Segundo ele, este é um "pedido clamoroso" dos camponeses e trabalhadores.

Duas centrais sindicais divulgaram documentos de adesão à greve.

CONGRESSO

A greve de fome ocorre no momento em que se trava um forte debate no Congresso, entre governo e oposição, de uma nova lei eleitoral que permita a realização de eleições gerais no fim do ano.

Os principais pontos de divergência entre governo e oposição são o recadastramento de mais de 4 milhões de eleitores (rejeitado pelo governo), as limitações ao voto de bolivianos residentes no exterior e a redução a 14 do número de cadeiras para povos indígenas.

A sessão de quarta-feira transcorreu sob a ameaça dos legisladores do governista Movimento ao Socialismo (MAS) de renunciar a suas cadeiras caso não se chegasse a um acordo com a oposição, o que poderia representar a inabilitação ou até o fechamento do Congresso.

O prazo existe porque a nova Constituição da Bolívia, promulgada em 7 de fevereiro passado, estabelece um período de dois meses, que se completa nesta quinta, para que o Congresso aprove o regime eleitoral que permita convocar eleições gerais.

Atualmente, o partido de Morales conta com maioria suficiente na Câmara dos Deputados, mas não no Senado, que é controlado pela oposição.

Em entrevista, García Linera, pediu às legendas "todo o esforço possível" para aprovar a lei porque, após a meia-noite, o Congresso se encontraria em uma "situação complicada" se não houvesse acordo.

García Linera disse que há setores da oposição, "minoritários", mas com capacidade de bloqueio, que não querem que as eleições aconteçam.

No entanto, passada a hora fixada, o debate continuou tanto no plenário como em uma comissão negociadora que segue tentando o consenso.

O presidente do Congresso, minutos depois da meia-noite, interrompeu brevemente um discurso para dizer que a sessão continuará ininterruptamente "até a aprovação da lei".

LIVRO

AS 74 MULHERES QUE EU AMEI
(até agosto de 1998)
Por Reginauro Silva

APRESENTAÇÃO
Reginauro
Eu tenho Reginauro Silva como um dos nossos melhores intelectuais escritores. Sinto falta dos insuperáveis artigos e das deliciosas crônicas do Régis, quando ele desaparece da nossa imprensa – o que tem sido comum, não sei porquê.
Existem muitos outros ótimos escritores, como escritoras, nestes nossos Montes – Como todos sabem. Não vou citá-los nominalmente, pois, a cabeça já meio fraca, é certo que me esqueceria de alguns e as omissões acabariam por me triturar. Apenas junto ao meu ora homenageado os também eletrizantes Georgino Júnior e Elton Jackson, igualmente gênios da literatura, da criatividade e, principalmente, da gostosíssima irreverência, como da coragem de exporem as perfiadas maquinações da alma, que nós outros tanto mascaramos. Constituem trio que merece, sim, a louvação e o aplauso maior dos montes-clarenses e das gentes de outros nortes.
Não conheço – Régis -, confesso, um dos seus trabalhos maiores, o caso da Formiguinha que queria ser cidade e virou princesa, peça já encenada várias vezes no nosso Centro Cultural e em teatros alhures. Ainda assim, sem ver sua obra-prima, você é meu ídolo na literatura destas bandas. Sua inteligência, a verve que impulsiona sua criatividade, sua elegante e corajosa irreverência me fascinam, como empolgam a tantos quantos o lêem.
Puxação de saco? Não! Não tem porquê. O puxassaquismo se prende a interesses menores, como dinheiro ou poder, por exemplo. E este meu ídolo não possui nenhum poder, nem gaita... A admiração advém da qualidade intelectual do admirado – no que sou seguido por legião de leitores.
Ando lendo, Reginauro, com gosto, a história (?) das suas 74 paixões. Mas, permita maxima venia, duvido que sejam só mesmo 74... Muito menos esquentado e sempre tímido, acanhado, mas romântico inveterado, já amei mais de 80! Até chegar em Shirley, o grande e verdadeiro amor de minha vida, meu porto seguro. Os seus amores, caro Régis, devem ter sido pelo menos cento e muitos. Deixe a modéstia de lado, homem, e confesse o crime!
Confissão registrada, despeço-me, registrando também, e com mandado implícito de seus tantos apreciadores, a recomendação de que jamais se afaste desta sua terra boa. Se for preciso ficar longe materialmente, que assim seja. Mas não desapareça da imprensa, grande escritor!
Reivaldo Canela – Advogado, escritor e membro da Academia Montes-clarense de Letras
(*) Artigo extraído do JORNAL DO NORTE DE MINAS, de Montes Claros, edição de 17/08/98, página 2.

Prefácio
Este livro foi concebido, na melhor das intenções, ao longo de quatro décadas. Portanto, está acima de qualquer suspeita menopauseana. Todas as pessoas nele citadas tiveram conhecimento prévio de que, algum dia, seriam tornadas públicas, fossem estatais, paraestatais ou privadas. Ou será que alguma mulher do mundo se relaciona intimamente com um jornalista achando que vai ter sua identidade eternamente mantida em off? Ôche!
Ao longo dessas quatro décadas tivemos o cuidado de arquivar - no winchester do nosso computador mental - todos os momentos hilariantes, divertidos, dramáticos e, sobretudo, polêmicos, que compõem o poético - e às vezes fulminante - acasalamento entre machos e fêmeas. Houve gozos, eu sei, e o Martinho da Vila também. Houve produções independentes, como diria a Xuxa. Houve material para produzir mil e uma noites de ternura, nove e meia semanas de amor, ligações perigosas, muitas tentações e até capas de Playboy. Sim, porque todas as mulheres que desfilam neste livro fariam inveja a qualquer Débora Rodrigues dos sem-terra da vida. Ou à asquerosa Sharon Stone. Ou à desbocada Maddona e à gulosa Monica Lewinsky.
Também não entram neste tratado figuras fantásticas como dona Laura, Rege, Naura, Sussuca, Vera, Toquinho e Raquel, nem as gatíssimas Tatiana e Juliana, que aí já não é amor, é paixão. Vamos nos ater às lindinhas de Almenara, Montes Claros, Ouro Preto, Belo Horizonte, Bocaiúva, Rio de Janeiro, Janaúba, Espinosa, São Paulo, Oropa e Bahia. Parafraseando Vinicius de Morais: que me perdoem as atuais, mas as 74 são fundamentais.
Pois foi assim, após incontáveis ejaculações e mil e uma masturbações sócio-sentimentais, que ultrapassamos a marca das 50 mulheres de Darcy Ribeiro e conseguimos reunir, entre duas centenas, as 74 mais mais, com bilhetes, depoimentos e aventuras jamais imaginadas por um egresso do Movimento Machão Mineiro, de fazer inveja ao mestre Jacaré, à Banda Mole e a Marta Suplicy. Trata-se de uma santa sacanagem, diga-se, mas uma sacanagem politicamente correta, pura, já que, neste carinhoso romance a 75, não entram quengas nem merengas.
Agora, você me pergunta: qual o objetivo central deste livro? E, a exemplo de todas as mulheres, respondo com outra indagação: - O que pode fazer um quarentão senão auto-afirmar-se e falar com seus próprios botões... de baixo? É, também, uma homenagem aos companheiros que, para orgulho da nossa geração, amaram tantas ou muito mais mulheres do que eu, mas, via de regra , não tiveram um canal (no teatro, por exemplo) para derramar suas lágrimas de mel e publicitá-las desta ou de outra forma.

Capítulo 1
Aveia Quaker fazia a diferença
D. Marli - A primeira namorada que eu tive foi minha professora. Lembro como se fosse hoje. Era linda. Cabelos entre pretos e castanhos, olhos graúdos e claros, sempre pesquisando tudo ao redor.
Eu tinha uma afeição toda especial por dona Marli (era assim que a chamávamos, carinhosamente). E acho que ela tinha um certo amor por mim, também. Ou pelo menos eu imaginava que sim. Quando briguei com o Olavinho, espalhando seus objetos pela Rua Hermano de Souza, na outrora bucólica e delicada Almenara, dona Marli foi bastante condescendente comigo. Colocou Olavinho de castigo, durante toda a tarde, ajoelhado em cima de um monte de caroços de milho, e me levou para casa. Foi a primeira vez que tomei contato com a parcialidade.
Eu gostava tanto de Capítulo 1 que nem me importei quando ela, fazendo beicinho, não permitiu que eu fosse à casinha me desfazer das comilanças do Dia da Criança. Terminada a aula, eu, no maior sufoco, saí do Grupo Escolar Cond’Afonso Celso desesperado, sem ter nem terminado de balbuciar o Pai Nosso, e fui cagando pela cidade afora. Rodopiei a periferia inteira, dando uma volta enorme até chegar à Rua Belo Horizonte.
Imagine a vergonha de um menino de 8 anos chegando sujo e fedorento bem em frente à casa do dr. Hélio Guimarães, o mesmo que, dias antes, me livrara de uma hérnia precoce, por recomendação do seu desafeto Colimério.
Voltando a Capítulo 1, dona Marli levava Aveia Quaker para mim quase toda semana. Claro que todos os catarrentos lá de casa provavam do mingau, mas, pra todo efeito, era para mim que se destinava. Foi aí que aprendi a conviver com a mordomia.
Morreu aos 43 anos. De câncer no seio..
Fiquei sabendo em Montes Claros, pois já não habitava o encantado Vale do Jequinhonha. Chorei profundamente a perda do primeiro beijo, do primeiro aperto de mãos olhos nos olhos, da primeira tesão.

Capítulo 2 e Capítulo 3
As primeiras (do substantiva primas)
Mira e Leninha- Antes, muito antes da morte de dona Marli, incursionei-me pelas margens do Jequitinhonha com um desempenho considerado impressionante até por mim mesmo. Com essa cara sem-vergonha que sempre me acompanhou, achava sempre um motivo para levar as priminhas para o mato. Cada pé de mamona era uma cama a céu aberto. Só que, na nossa inocência, não havia sexo na cabeça, mas apenas na pele.
Aquele rela-rela se repetia diariamente, enquanto dona Laura lavava roupas naquela imensidão de lajedo que começava perto da igreja e só terminava em Salto da
Divisa. Que delícia de aventura aquela de ficar com medo de ser surpreendido e levar uma surra que deixava as palmas das mãos ardendo o dia inteiro! Quando não era uma palmatória, a sova era na base do fedegoso.
Um dia, Leninha estava tão fogosa naquele vai-e-vem que acabamos caindo de cima de uma pilha de sacos de arroz, arrebentando a porta da despensa de tio Sabino. Tia Vera, dona Laura e tia Senhorinha estavam, naquele momento, preparando uma montanha de biscoitos de São João e quase morreram de susto.
Foi um corre-corre tremendo, aí incluídos os primos Zizi, Didi e Wílton, o que deixou a manguinha de Maria Sapateira em polvorosa. Todo mundo querendo saber por que a terra estava tremendo. E nós tremendo mais ainda. Seria o terremoto do prazer bandido? Outra surra inesquecível, desta vez com o corrião descendo solto nos corpos pelados. Sinceramente, até hoje não sei aonde foi parar meu calcão, mas jamais esqueci o doce prazer que era amar duas primas-irmãs simultaneamente.

Capítulo 4
O cachorrinho da filha de madrinha
Jeruska - Pode até parecer esquisito, hoje em dia, em meio à videomania, à telemania e à informática, um garoto de 8/9 anos preocupar-se com outras internets que não a via satélite. Pois todo dia, assim que saía da aula, lá ia eu direto para a casa de minha madrinha. E, ali, me internautava a tarde inteira, só chegando em casa no começo da noite.
Minha madrinha adorava e se gabava da amizade da filha com o afilhado. Era delicioso ser escravo de uma galega de 18 anos, seguindo à risca todos os seus mandamentos. Inclusive o de me deitar entre suas pernas e brincar de cachorrinho. Evidentemente que eu não entendia seus meneios nem sequer imaginava que um dia ficaria sabendo o significado de orgasmo, ponto G, essas qualidades eróticas, mas calava bem dentro de mim aquela ânsia com que ela se estrebuchava e a sensação de que, de alguma forma, estava fazendo uma adulta sorrir a tarde inteira e pedir bis. E me sentindo muito mais feliz com as bolachas que ela colocava na minha boca.
Foi ali, instintivamente, que descobri a grande importância que representa a pituitina para o corpo humano, o que assegura à língua a extraordinária singularidade de jamais adoecer-se, por mais profundas que sejam suas incursões. Não é à toa que a jibóia tritura até um boi usando a força dessa glândula que jamais vai permitir que você ouça, algum dia, alguém dizer: “Reginauro está com câncer na língua”.

Capítulo 5
Tudo começou com um chiclete
Shiliene - Ela chegava de mansinho, aquela carinha de 14 anos pedindo um cliclete ou um copo d’água ao menino de 13 servindo do lado de cá do balcão do Café Galo. Na época era Rua Simeão Ribeiro, poeirenta e acanhada, e não o Quarteirão do Povo que, na década de 70, se transformaria num dos cartões postais de Montes Claros.
Capítulo 5 era das meninas mais paqueradas (tinha que usar este vocábulo) da cidade de baixo. Não sem razão. Cabeça boa, corpo durinho, comunicativa, ladina, dengosa, gostosa. Extremamente gostosinha. Foi isso que senti quando toquei sua mão ao entregar-lhe o Ping-Pong. Naquele gesto singelo exprimiu-se todo o amor que um homem pode sentir por uma mulher. Mesmo não sendo homem adulto ainda e ela, muito menos, mulher da vida (dava uma bronca falar isso naquele tempo. Era um verdadeiro rabo-de-foguete).
Vai daí que Shiliene parece que entendeu a mensagem transmitida pelo caipira de Almenara e passou a reduzir o comprimento das saias e o decote das blusas. Isto me deixava imensamente extasiado, como se fosse o maior Don Juhan do pedaço. Só anos depois ficaria sabendo que toda aquela mudança de vestuário e, claro, de comportamento, de Shiliene fora apenas resultado das mutações provocadas no mundo pela extraordinária influência dos Beatles, seqüenciados pelos Rolling Stones.
Até então, as roupas eram de cores únicas, sem listras nem estampas, as saias compridas, mulher não fumava na rua nem usava batom vermelho, os homens ostentavam orgulhosos suas galochas e o chique era assistir aos seriados de Zorro e Tarzan no Cine Ipiranga.
Tudo bem que seja breguice, coisa de gente atrasada, flash back, mas jamais saíram das minhas retinas fatigadas aquela imagem super-cem da calcinha branca-branquinha de Capítulo 5, bem de frente para mim, enquanto se balançava na cadeira de seu pai, no alpendre do Bairro São José.
Meu Deus, era muito para mim! Eu não merecia ser tão feliz como naquele primeiro lance! Que, aliás, está agora, aqui, bem na minha frente (acabei de desenhar a calcinha de Shiliene no Paint deste 586 pornográfico).

Capítulo 6
Cada aluguel, um doce de mel
Nini - Nunca mais a vi. Uma gracinha de criatura, como todas as 74 mulheres com quem convivi. Só que, neste caso, o amor era platônico. Mais tônico do que plato, mas bem na filosofia de Platão.
Um dia, Capítulo 6 me surpreendeu lendo uma revistinha de adultos. Estirado na cama, nem percebi quando Nini chegou de mansinho e foi seassentando ao meu lado. Respondi ao cumprimento e continuei lendo aquelas piadinhas de Bocage e os ensinamentos de Kama Sutra, próprios de almanaques biotônicos e da coleção Rider Digest.
Foi aí que Capítulo 6 passou, leve e magicamente, a mão alva de névoa no sentido cima-abaixo de minhas costas e quase me mata de calafrio. Fizemos delícia até o início do Repórter Esso, que este eu não perdia de jeito algum. E, afinal, Capítulo 6 não estava acostumada a tanta sofreguidão.
A paixão durou muito tempo, uns seis meses, que era a média de mudança de casa de aluguel da família Silva. Está aí um dos motivos do travamento de conhecimento com tantas mulheres. Cada casa, um caso. Cada aluguel, um doce de mel.

Capítulo 7
Sueli Rosa Milk, a rainha de Bocaiúva
Sueli - Esta tem que sair por inteiro. É que são tantas as suelis que eu conheci ao longo dessas quatro décadas que pode ocorrer uma certa confusão. A começar da querida lá da Vila Guilhermina, da magrela do jornal e tantas outras que povoam meu mundo. É difícil esconder as suelis da minha vida. Com ou sem leite.
Mas esta é especial e, por isso, vai com o nome todo, ao contrário das próximas que virão e que terão, nesta obra, apenas o prenome publicado. Refiro-me à estonteante morena dos lábios de mel e dos olhos de jabuticaba Sueli Rosa Milk, talvez a mulher mais bonita que beijou o chão de Bocaiúva. A rainha da cidade, eleita pela unanimidade dos votos dos galãs Ildeu, Joãozinho e Pedro Baiano.
Ninguém sabe - nem a Bíblia explica - o que fez Jesus Cristo dos 13 aos 33 anos. Trata-se de uma pendenga milenar que nem os teólogos se arriscam a elucidar. Confesso, cá por mim, que esta foi uma fase altamente prolífera na minha vida, no que se refere às mulheres. E Sueli Rosa Milk (até o nome me dá tesão!) foi uma das delícias entre as 74 mulheres que eu amei. Como era doce! Como era bela! Acho que, depois de me apaixonar por Glorinha, Aíde/Shiliene, Udilma, Neguinha, Nini, dona Marli, foi a pessoa que me chamou à realidade, fazendo com que eu entendesse melhor minha sexualidade.
A cidade era (e continua sendo) a moreníssina Bocaiúva. Uma imensidão de poeira, daquelas bem vermelhas, com cheiro de formiga, arrebentava minhas narinas nos 48 quilômetros de Montes Claros até lá. O que não era nenhum empecilho para quem rastejava diariamente, sob o comando do sargento Marcos, no Tiro de Guerra 04/087, como glorioso (o que queria dizer aquilo?) cabo do Exército brasileiro.
Vai daí que, raras vezes, nas folgas da instrução, lá íamos nós em direção a Bocaiúva, levando as últimas novidades das bancas de revistas, geralmente resumidas na revista Sétimo Céu, com suas novelinhas adocicadas.
João e Antônio Tolentino. Paulo Cabaço. Selassiê (que hoje está lá no outro patamar da vida). Eustáquio do Bemge. Quando chegávamos em Bocaiúva, era uma festa. Ouvíamos pelas ruas da Avenida Cícero Dumont e adjacências: “Venham, venham, os “pães” de Montes Claros chegaram!”
Era aquela festa! Claro que nós esnobávamos um pouco. Eu, por exemplo, sempre exibia a última novidade do fim da década 60, como um cinturão a Erasmo Carlos que fazia os meninos torcerem os narizes e nos ameaçarem, veladamente, de dar umas porradas... Ou uma camisa volta-ao-mundo que não podia nem sentir o calor de um cigarro (derretia-se toda...) Ou um penteado a Príncipe Danilo que os barbeiros da cidade não conheciam e ficavam olhando para aprender.
Depois de escorregarmos a poeira na pensão da Avenida Montes Claros e de distribuirmos as novidades da semana, inclusive as revistas femininas, dávamos uma passada pelo restaurante Cancelão, de Deodato Biondi, na Praça Benedito Valadares, ao lado do ultra-racista Clube Social de Bocaiúva, e partíamos direto para a Sede Operária, que era nosso reduto favorito, ali bem perto da atual Câmara Municipal.
O merchandising feito durante a tarde era garantia de moça certa pra dançar quando a patota entrava na famosa (hoje extinta) Sede. As conhecidíssimas filhas do cabo, Mércia e Cacilda, estavam sempre à disposição da turma de Montes Claros, que nunca ganhava tábua (ou taba ou tijolo, como se dizia). Bastava a banda entoar Os Milionários, de Os Incríveis, e lá íamos nós abrir a hora-dançante, num rodízio que só terminava depois das duas. Mas eu me amarrava, mesmo, era em Capítulo 7. Uma imensidão de mulher que me enchia de prazeres e deixava os colegas se matando de inveja.
Até hoje não entendi por que uma mulher tão linda, inteligente e formosa se virou pro lado desse filho de Almenara. Assim como não entendi outros casos que viriam a ocorrer na seqüência de minha espantosa relação com o sexo feminino. Acho que é puro charme. Nada mais. O fato é que nos amávamos como gente grande, misturávamos nossos cuspes e nos aprofundávamos na arte da alegria, do amor, da paixão. Era comum amanhecermos (os rapazes de Montes Claros nem sempre sobreviviam a mais de dois cubas-livres) estirados no hall de entrada da Prefeitura, exatamente quando as beatas se preparavam para assistir à missa da histórica Igreja de Senhor do Bonfim.
Como todas as paixões, esta terminou exatamente como começou: assim, sei lá, como se fôssemos portadores da Síndrome de Rett, a nova doença descoberta pela
Medicina e que se encontra entre a Síndrome de Dow e o Autismo. Batendo uma mão contra a outra e olhando para o infinito. Eu parti para outras bandas e Sueli também. Ficam aqui a homenagem e o beijo fraterno de uma pessoa que soube amar aquela montanha de mulher. Um verdadeiro pão-de-açúcar.

Capítulo 8
Uma Rosa que desabrocha em Tocantins
Rosa - Como Sueli Rosa Milk, que nunca mais voltou, há o caso de Rosa, esta hoje em Tocantins, onde continua desabrochando. A história de Rosa começou patética, ganhou um período de intensa felicidade e terminou trágica, se não fosse cômica. Naquele tempo, na nossa meninice, eu e Tadeu sequer sabíamos o que era o gosto de um beijo além dos lábios de uma linda mulher como aquela mulatinha com cara de Iracema. Que se divertia com nossos versos copiosos: “E à noite na taba, se alguém duvidava do que ele contava, dizia contente: meninos, eu vi”.
(Abro parêntese para uma vexatória abordagem feita a uma menina da Escola Normal, após uma sabatina aplicada pelos professores Dão, Pedro, Cibele, Wandaik, Luiz, Conceição, Terezinha, Ezequiel e Clóvis. Ia descendo a rampa do colégio Professor Plínio Ribeiro quando destampei, como sempre, com a bela Consuelo, uma menina supimpa da 1a. C (eu era da L). Com uma coragem que nem eu acreditava, olhei para dentro de seus olhos e lasquei: “Linda!”. A resposta veio de bate-pronto: “Feio!” Quase despenquei com objetos e tudo lá na portaria comandada por Tião e Paraíba. Que decepção!
Nunca mais esqueci aquele fora, o que certamente aconteceu também com a galeguinha. Tanto que, um século depois, ela - já separada e afilharada - caiu em prantos quando relembrou o episódio, numa festa no Max Min Clube. E dizia, toda chorosa, para si mesma, como tentando consolar o inconsolável: “Como eu era bobinha!”. E eu: “Importa com isso, não, Consuelo. Feiúra não tem conserto, não. Continua do mesmo jeito. Beleza é que piora...” Fecho o parêntese para voltar a Capítulo 8).
Assustado, saí da Escola Normal bufando que nem um elefante e fui apagar a mágoa na deliciosa e sempre repleta boate do D.A. da Fafil, o tesouro da juventude. Era ali que tínhamos a oportunidade de exercitar o ápice do nosso erotismo, que era o de dançar juntinhos, pernas coladas com pernas, mas sem o direito de encostar nos seios da parceira. Quando isso acontecia, ai meu Deus!, lá vinha a mão repressora sobre o peito da gente.
O medo de agredir a honra alheia era tamanho que tínhamos de morder freqüentemente a língua enquanto dançávamos e, nos intervalos, ir ao banheiro nos aliviar da tesão. Não foram poucas as vezes em que, simplesmente ao sentir o contato com os biquinhos de uma menina, eu me sentia molhado nas partes de baixo, também. E ficava morrendo de vergonha da minha própria ereção. Uma covardia, olhando-se o mundo de hoje! Acho que é por isso que inventaram o bugulu, a discoteque, o axé music, onde os casais nunca se encostam nem se enfrentam. Estão sempre separados. Para desespero dos que tentaram implantar a lambada no Brasil.
Nesse dia, lá no D.A., encontrei o Tadeu e, entre um gole de guaraná e uma música de Erasmo Carlos à beira do caminho, acabamos com a inevitável e sempre desejada missão de “levar as garotas em casa” após a hora-dançante coreografada pela primeira luz-negra da região, aquela que deixava as saias e os vestidos brancos transparentes e nos permitia, em êxtase, ver a sombra das intimidades das réplicas de Rita Lee, Rosemary, Martinha e Wanderléia.
Que delícia!
Subíamos a Rua Bocaiúva em animado bate-papo, chupando picolés, quando, de repente, Rosa reclamou que estava com vontade de fazer xixi. Ou melhor, “de urinar”, que desde mocinha ela não tinha papas na língua. Tadeu, na sua santa formação seminarista, onde aprendera a encarar a mulher como “coisa do capeta”, brincou: “Ah, urina aí mesmo...”. Hum, fica aí! Estávamos em frente à casa do motorista de táxi Mário, que tinha um imenso lote vago na frente. Mais que depressa, Rosa agachou-se, tirou a calcinha e tchóóóóóóóóóó’...
Nunca mais Tadeu quis saber daquela magrela escandalosa e liberal, que encantava a rapaziada e matava de inveja a mulherada espinhenta e conservadora de Montes Claros. Desde então, até hoje não sei por quê, Rosa se embrenhou pela floresta amazônica, virou indigenista e só muitos anos depois reapareceu, de cabelos cortados bem rente à nuca, como se fora realmente uma aborígine. Foi a primeira índia em quem penetrei na minha vida. A outra seria Capítulo 74.
Ríamos, até, ao relembrar o episódio dos anos 70, e passamos a ter uma convivência que superava, em muito, o modismo da amizade colorida. O amadurecimento levara ao suprimento dos tabus do já então empoeirado e aranhento Automóvel Clube e se concentrava na baixada do Relicárioì, inclusive Rosa, uma das mulheres mais inteligentes entre as 74 que eu amei. Em meio à patota impressionada com seu discurso macho-feminista, entre os quais se encontravam Virgílio, Geraldino, Tico, Júlio, Arlete, Nice e Raquel, mirou o dedo no meu nariz e esbravejou: “Pô, você tirou toda minha energia e, agora, não quer tomar conta de mim. Ou aceita o que estou propondo ou vou embora para Itacarambi, cuidar dos xacriabás. Pô, cara, você me usa como se eu fosse uma laranja: “Chupa, chupa, e depois joga a bucha fora...”
No dia seguinte, depois de uma noitada no Skalla, deu os últimos gemidos e partiu para Tocantins, seguindo a trilha da Funai. Como diz o sambista: ai que saudade que dá!

Capítulo 9
Deitando e rolando nas escadarias de Ouro Preto
Das Graças - Cego de um olho, sem os dedos dos pés, conseqüência da hanseníase e da porfiria que contraíra nas águas ferruginosas da região; com os cinzéis amarrados ao antebraço, no longínquo século XVIII, jamais Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, poderia imaginar que estava planejamento tão belas igrejas para, um dia, lá pelo século XX, serem usadas como cenários de duas das 74 paixões da minha vida. Pois foi justamente diante das obras-primas do gênio da humanidade, seja em pedra-sabão ou madeira que entalhava e pintava com inspiração divina que se desenrolaram momentos estonteantes que só Ouro Preto poderia proporcionar, nas três unidades clássicas de tempo, ação e lugar.
Capítulo 9 ou Das Graças, uma sertaneja com jeito de riquinha (e era), um sorriso angelical e um corpo escultural para seus 19 anos, expandia charme e encantamento. Já então, como seu voraz leitor, eu acreditava piamente na máxima de Nélson Rodrigues, segundo a qual “o beijo é a posse”. Pensando nisso é que procurava de todas as formas obter um beijo que fosse de Capítulo 9. “Se o beijo é a posse, beijou tá lascada...”, comentava com os outros, sem saber que levaria um demorado baile de Das Graças.
Arma eficientíssima, o telefone mantinha Capítulo 9 de ouvidos colados à minha boca. A aproximadamente 700 metros de distância. Ficávamos horas trocando confidências que, quase sempre, adentravam o terreno do erotismo puritano, dando ao outro a delícia da descrição da calcinha e da camisola, com direito a sussurros e telebolinações
E só. Se quisesse continuar a fantasia, que me debruçasse sobre os versos “sacânicos” de Clarice Lispector ou os livrinhos de bolso de Keith Olivier Durban e suas mulheres encantadoras.
Foram anos inteiros de tentativas e negativas. O certo é que, com o tempo, foi-se criando um clima de camaradagem/amizade/intimidade ma non tropo, que já eram freqüentes às visitas à sala e ao portão de Capítulo Nove e menos indignadas suas recusas. No fundo, eu achava um desaforo Das Graças não fazer exatamente o que falava e insinuava com aquelas gargalhadinhas sensuais. Sentia-me um bobo persistente.
Na véspera do meu primeiro casamento, fui à casa de Capítulo 9 e enfiei-lhe uma doce chantagem: “E aí, vou me casar amanhã. Isto lhe diz alguma coisa?” Sim, sim, ela respondeu, sem desgrudar aqueles grandes e pretos olhos do chão: “Significa que você vai se casar amanhã e vai continuar me amando a vida inteira...”
Eta menina malvada! Como dizia a Neila: “Ela tem um sorriso adorável, mas seus dentes cortam como navalha...” No que eu rebatia recorrendo a Nietszche: “Somente um coração em caos pode dar à luz uma estrela cintilante”.
O envolvimento afetivo prosseguiu anos a fio, sempre com um fio de esperança de minha parte. Houve uma breve trégua quando Das Graças transferiu-se, com mala e cuia, para Ouro Preto, 600 quilômetros adiante. Uma distância razoável para quem a visitaria onze vezes em apenas um ano.
O pacote turístico acabaria dando certo. Aquela energia, aquela beleza reconhecida como patrimônio da humanidade, a Casa de Contos, o barroco presente em todas as ladeiras... Nem mesmo o pós-moderno Grande Hotel projetado por Niemayer conseguiu macular a magnitude daquela enorme casinha de bonecas que é a imorredoura Vila Rica.
Do Museu da Inconfidência, na Praça Tiradentes, fiquei uma tarde inteira acompanhando - (entre um janelão e outro; entre um oráculo do século XVI e as carruagens do Império; entre uma privada de pedras ao lado de um fogão tipo lareira e as lápides dos inconfidentes) - os movimentos de Capítulo 9.
Dali de dentro do museu eu a seguia, com os olhos, pelo Teatro Municipal, a República de Minas e a Ufop, Universidade Federal de Ouro Preto. Até que, no começo da noite, adentrei a república e dei de cara com umas trinta alunas, colegas de sala e de quarto de Capítulo 9.
Para vencer a timidez e dar logo o cartão de visitas, retomei meus ensinamentos de Quiromancia, aprendidos com Tia Dodó, e li as mãos de todas elas. Sem repetir uma sequer. Lógico que o espanto foi geral, como já acontecera com igual número de alunos de um curso de Redação e Criatividade que ministrara no Senac.
O trabalho de relações públicos funcionou eficientemente. É aquela história do “não importa a cor do gato, desde que seja eficaz para caçar o rato...” E à noite, de forma surpreendente, nós nos amávamos rolando sobre as escadarias da Igreja do Carmo, bem em frente à república e debaixo das estatuetas de ouro, de vitrôs multicoloridos e de castiçais ancestrais. Mais ousado do que nós, só um maconheirinho que puxava seu unzinho debaixo do nariz de um PM, que ia e vinha entre namorados tarados do interior
de Minas e doidões aloprados do mundo inteiro. Noite como aquela haveria só mais algumas. Que valem por um milhão.

Capítulo 10
Uma libanesa que viaja dentro de mil
Suraya - De forma infinitamente mais veloz, mas com igual intensidade, só que nas escadarias das igrejas Pilar, São Francisco e de Nossa Senhora da Conceição, outros encontros aconteceram, só que com Capítulo 10, uma libanesa que se apresentara como Suraya após a exibição de “Prensa” (melhor texto e melhor público) no V Festival de Teatro Amador de Minas Geras, o Festimas.
Aroldo, Eugênio, Vladimir, Henrique, Rai, Gílson e o presidente da Fetemig, Bethoven, ficaram sem entender por que uma gringa chique como aquela colocou o elenco e a direção do festival para escanteio e foi passar as friorentas (média de 7 graus) noites de Ouro Preto agarradinho ao autor da peça.
Entre três cobertores e litros de pinga-com-mel e Vodka com suco de laranja do Casa Grande e da Cantina do Chicão, e os pesticos de Vandico e Tatu, espantamos todos os fantasmas dos porões dos escravos. Afinal, éramos os próprios escravos do amor e do sexo.
Seis meses depois, Vladimir foi abordado no aeroporto de Congonhas por uma mulher bonita, alta, elegantemente trajada, com chapéu e tudo: “Cadê o autor da peça?”, perguntou de supetão. Após refazer-se do susto e dar um milhão de risadas, Vlad teve a frieza e o bom senso de tomar-lhe o endereço, antes que seguisse para o Peru, para visitar uma mina de cobre de seu pai.
Certamente, Capítulo 10 estará no lançamento deste livro. Pelo menos é o que acaba de dizer via internet.

Capítulo 11
Por que nunca mais usei o Motel de São Matos
Das Dores – Sua beleza não tinha nada de impactante. Era uma beleza singela, meiga, doce como um favo de mel. Mas sem aquela pieguice do Gonçalves Dias. Sim, porque Capítulo 11 estava mais para a danadinha machadiana Capitu do que para a fresquinha Ceci. Era preciso que, aos poucos, você fosse se acostumando com a intensa lindeza de Das Dores. E foi exatamente o que aconteceu comigo.
Trabalhávamos juntos. Ela no comando da central PABX, eu na sala de relações públicas. Como a porta dava (sempre) para o corredor em frente à sua, comunicávamos a distância. Seja gritando ou, em sussurros, usando a extensão telefônica. Em um ou noutro caso, as cantadas eram inevitáveis. Primeiro, partindo de cá; depois, do lado de lá. O assédio foi se invertendo lentamente, que era assim que deviam correr (ou parar) tudo que dissesse respeito a Das Dores.
Até que, num calorento e delicioso fim de tarde, Capítulo 11 sugeriu que subíssemos até o terraço, para tomarmos um chopp no restaurante panorâmico. Com sofreguidão, aceitei o convite. Pura sacanagem, para deixar bem clara a mudança de posições. Afinal, eu passara de assediante a assediado. Era sua vez de penar um pouquinho que fosse, antes do desfecho fatal.
Um começo de noite pra lá de agradável. Muitas palavras foram trocadas, muitas confissões entrecortadas. Cada um sabia do comprometimento civil do outro. Os riscos eram óbvios, mas que mais valeria a pena? Então, para que delongas? Pulamos da terceira caipiríssima e da segunda cerveja para o apartamento do terceiro.
O primeiro beijo aconteceu já dentro do ap, com um inesquecível detalhe: as línguas se retorciam na mesma proporção em que Das Dores, por trás de minhas costas, subia e descia deliciosamente a luz em resistência. Uma sôfrega e ansiosa agonia que ia e vinha na medida em que o ambiente ficava mais claro, mais sombrio, escuro por inteiro, novamente claro... e minhas mãos puxando sua bundinha redonda, seu gélido narizinho comprimindo meu quente e bufante nariz em que o boi pisou... Cenas dignas de um Felini. Porque Hiticock viria depois. Duas saídas depois.
Numa escaldante noite de verão, quase em frente ao familiar motel Sand’s, para onde nos dirigíamos, surpreendi Capítulo 11 ao propor-lhe uma esticada até a serra de Bocaiúva, em vez de repetir aquela mesmice burguesa do ar condicionado, das miniaturas do frigobar, do espelho redondo lá no teto, da hidromassagem borbulhante, das fitas do canal 2, da água duvidosa da piscina recém-usada e da garçonete enfiando a cabeça com a comanda por aquela janelinha da suíte presidencial.
Das Dores estava tão maluca com o adultério seqüenciado que aceitou a proposta na hora. Embiquei o Passat azul rumo ao Pentáurea Clube, mas não há boquete que mantenha a cabeça de um motorista no seu devido lugar. Na primeira curva, virei à direita, ganhando o anel rodoviário em construção. Um poeirão dos capetas, como reclamava Tadeu no Boca no Trombone, da ZYD 7.
O carro andou uns cem metros e empacou que nem burro. Desvirei e virei a chave. Nhem... nhem.. nhem... Pensei: “Deve ser a bateria”. E puxei levemente Capítulo 11 pelos cabelos, levantando-a dos joelhos e dando-lhe no um beijo na nuca.
Depois de fuçar o miolo do carro, constatei que não era bateria nem ignição nem a parte elétrica nem carburador entupido nem falha do agente condutor nem a rebimboca da parafuseta. “Filho da puta!”, gritei ao me lembrar que, durante todo o dia, deixara o Passat na oficina, para troca do platô. E que a bóia da gasolina, como em toda carroça, não estava funcionando. E que o mecânico vigarista da General Carneiro naturalmente esvaziara o tanque.
Pusemo-nos a caminho da BR 135, naquele ermo sem termo. Uma penosa jornada, agourada pelo coaxar dos sapos e os piados das mortalhas. Por milagre, eis que pisca uma luz no fim do túnel...
Milagre? Quando o carro aproximou-se, Das Dores tremeu por dentro e por fora: “É meu primo!” Na medida em que procurava esconder-se por trás de minha magreza, o farol a caçava como se fosse um tigre. Os olhos do primo se alegraram ao reconhecer o companheiro de Escola Normal. Era o Cícero. Mantive frieza suficiente para pedir-lhe socorro e enfiar Capítulo 11 por baixo de uma moita, onde me aguardaria até o fim da operação suga-suga, arrota cachaça-engole gasolina.
No que Cícero deu a partida, mais curioso do que desconfiado, olhei o relógio: quase 11 da noite, justamente o horário em que o maridão deixava o plantão. Adeus, Globo Rural! Pelo menos por hoje. Peguei Das Dores e arranquei furioso. Mais uns trinta metros e, entre montes de terra e cascalho, o carro despencou num desvio, indo parar lá dentro do buraco. Solidária, Capítulo 11 ajudou-me, com pedras e pedaços de pau, a retirar o Passat do barranco.
Por precaução, parei dois quarteirões antes de sua casa. Quando avancei, finalmente aliviado, lá vem o plantonista em sua moto envenenada. Fiz sinal para que parasse e fiquei, aproximadamente, 43 minutos inventando histórias, enchendo lingüiça, enquanto – mentalmente – calculava o tempo em que Das Dores se desfazia das roupas empoeiradas, tomava banho e se agasalhava.
No dia seguinte, entre risos, disse que quando o amigão chegou já estava no terceiro ronco de mentirinha. Na poltrona da sala, é claro. Naquela noite, ficáramos os três na pior. Tudo por causa daquele ladrão de gasolina.
Devo a Capítulo 11 a decisão de nunca mais usar o matel. Mas isso só depois de uma perseguição surrealista nas proximidades do Parque Municipal, com uma camioneta correndo atrás do fusquinha (nós dois pelados dentro do besourinho, que ridículo!) e da ameaça de morte na Esplanada, só não consumada porque, malandramente, exibi ao velho agarrado a uma espingarda polveira minha sebenta cédula de identidade como se fosse “da autoridade com quem o senhor está falando”. O homem tremeu tanto que “leu” a identidade de cabeça para baixo e pediu mil e uma desculpas ao doutor.

Capítulo 12
A boca mais bonita do mundo
Kátia - Justamente no dia em que acabara de ler “Admirável Mundo Novo” e me encabulado com a constatação da realidade presente na ficção secular de Aldous Huxlei, tomei um impacto ao adentrar o Teatro Nacional de Curitiba, a caminho para Foz do Iguaçu. A magnitude do teatro paranaense é, por si só, motivo de espanto. A peça que era encenada, então, assustava muito mais. Não é todo dia que você é colocado de frente para a encenação de um texto do magistral Oscar Wilde e seus retratos de Dorian Gray. Narcisismo à parte, vale a pena relembrar uma fala da personagem Salomé e a dureza de sua paixão renegada. Um desabafo mais ou menos assim:
“Tu não quiseste que eu beijasse a tua boca, Iokanaan. Pois vou beijá-la agora. Hei de mordê-la como se morde um fruto maduro. Não me quiseste, Iokanaan, me desprezaste. Me trataste como a uma prostituta.
A mim, Salomé, filha de Herodias, princesa da Judéia. Pois bem, Iokanaan, estou viva!
E tu morto, e tua cabeça me pertence!...
Posso fazer dela o que quiser! Posso jogá-la aos cães ou às aves de rapina.
O que os cães deixarem, os abutres devorarão”.
Ainda impressionado com a conquista de Capítulo 11 em Ouro Preto, Gera Boca não entendeu quando lhe contei essa passagem de Salomé, relatando as peripécias do Encontro Nacional do Teatro Amador, realizado no Teatro Galpão, em São Paulo. De volta de Curitiba, eu acabara de testemunhar, ali, na Rua dos Ingleses, bem próximo ao mundo dos artistas globais, que era a Praça Orvieto e seus barzinhos 24 horas, uma das cenas mais chocantes da minha vida.
Lá pelas 3 da tarde, entre risos e cochichos, ficara conhecendo Kátia, a representante do Rio de Janeiro no encontro. Tudo porque relatara ao microfone, instantes antes, que Montes Claros tinha 12 grupos teatrais em atividade, inclusive o nosso Tapuia de saudosa memória. No que contava para Kátia detalhes do movimento artístico-cultural de uma cidade do interior de Minas com pouco mais de 150 mil habitantes, duas mulheres se atracaram bem à nossa frente, num beijo longo e ardoroso. Kátia morreu de rir da minha sem-graceza, dando a entender que aquilo era comum entre os civilizados, ou pelo menos entre os cariocas e paulistas.
Foi a primeira vez que vi dois sapatões se beijando. O que, hoje, acontece toda hora, em qualquer lugar, diante de todo mundo. Só que, naquela década, eu era bobo. E, como dizia meu pai, “todo tolo tem um tolo que o admira”. Ou tola.
No entusiasmo da conversa, acabei retratando para a carioquinha linda e maravilhosa, na sua doce inocência, que Montes Claros era a melhor cidade do planeta. E
a mais culta. O que, aliás, me levaria, no ano seguinte, a criar um eslogan que hoje se encontra na home page da internet: “Montes Claros - Cidade da Arte e da Cultura”, bastando você acionar o endereço de Wanderlino. Quer dizer, já então eu descobrira que não era tão tolo como imaginava Gera Boca.
Encerrado o congresso, passei a ligar diariamente para Kátia. Não durou muito e Capítulo 12 se deslocou de Jacarepaguá, pertinho do autódromo Ayrton Senna, ali na Barra, para o Sertão de Minas.
11 horas de viagem!
Peguei emprestado o imponente Cadilac de Levino, disposto a gastar todo o dinheiro do mundo no primeiro posto de gasolina, e fui recepcioná-la na rodoviária. A banheira comportava uns dez amigos, sem tirar nem pôr. Tico e Gílson, chefes da delegação, levaram até violão. Rai, Eduardo e Gera se encarregaram dos fogos. O dono do carro tratou de plantar na coluna do finado Lazinho a informação de que uma sobrinha de Lima Duarte chegara à cidade para ministrar um curso para os integrantes do Grupo Tapuia, o que realmente aconteceu. O local dos ensaios era o Sesc e uma das participantes era Cláudia, meses depois barbaramente assassinada a tiros e marteladas pela polícia, juntamente com o namorado Fábio, notícia estampada em todo o país.
Foi uma semana e quase meia de amor. Capítulo 12 me matou. Contei tanto esse caso para meus igualmente boquiabertos amigos, que nem vale a pena repetir. O certo é que nos amamos perdidamente durante muito tempo. Isto incluiu sessões variadas de sexo e amor em motéis de Minas e do Rio e de um hotel amarelinho de Leopoldina que não sai da minha memória. Kátia, depois de se casar, ter um filho e se separar, mudou-se para um apartamento na Praia de Icaraí, em Niterói, onde fui visitá-la a caminho de Cabo Frio.
Mas o cheiro que, segundo ela, permanece em seu subconsciente, é o do matinho verde refletido pela lua esplendorosa daquela noite na Vila Brasília. Quem é o Rio para ter ambiente tão romântico como aquele... E quem é mulher para ter uma boca tão bonita como a de Kátia. Sinceramente, só Capítulo 74 conseguiria superá-la.

Capítulo 13
É muito fácil ser apaixonado por Deus
Lud - Como previra o sociólogo canadense Marsahll Mac Luhan em priscas eras, o mundo acabou se transformando numa aldeia global. Hoje, via internet, você viaja de Caetité ao Japão sem sair do lugar. Pode conversar com Tone Show no Havaí e com Cláudia Cardinalle na Rocinha, ali mesmo em Montes Claros ou no Rio de Janeiro. É assim que me sinto quando falo sobre as 74 mulheres que eu amei e, evidentemente, pelas quais fui (e continuo sendo) amado. Todas estão muito próximas, aqui mesmo à minha mão.
Nesses momentos, eu me sinto como se fosse uma ilha cercada de belas mulheres por todos os lados. E contesto o John Donne, para quem “nenhum homem é uma ilha”. Claro que somos parte de um continente, como está escrito em Meditation XVII, mas aqui dentro da minha cabecinha estão todas as mulheres que me fizeram felizes ao longo desta prazerosa jornada. Cada pontinha de prazer ao meu lado é uma mulher pelada. Uma ilha sem fantasias.
A Lud, por exemplo, é uma mulher sensacional. Tão sensacional que não vou conseguir descrevê-la. Essa mulher indescritível é presença diária na coluna social do Theo, divinizada pelos comentários sempre pertinentes de Amerquinho, estrela de todas as festas e bordejos. Enfim, uma mulher Nota 10, como se dizia nos meus 20 e poucos anos.
Para resumir, sem encher o saco da leitora, Lud era transparecia o requinte da mulher brasileira. Morena de um jambo de deixar água na boca, cabelos lisos e compridos. Aquele corpo escultural, com os peitinhos empinados para a frente. Uma bundinha que ninguém ousava chamar de bunda. Olhos lindos de tão carentes que eram. Um metro e oitenta de capa de revista. Ah, meu Deus, por favor, me deixe em paz!
Acabo de sair da redação do jornal e me deparo com Lud descendo a Rua Dr. Santos. Um deslumbre que você nunca viu. Exatamente ela que, dias atrás, me confessara, ao telefone, que estava apaixonada pelo noivo e seu maior sonho era subir às escadas da Catedral com um vestido magnificente e uma jura imorredoura. Só que demonstrara, naquele instante sublime, que era tão idiota a ponto de acreditar que eu engolia a sua engasopação. Logo eu, o maior trocador de figurinhas e de revistas antigas do Cine Ipiranga e dos demais cinemas da região.
No que a abordei - entre olhares gulosos de uma imensidão de homens que passavam pelo pedaço -, consertei minha pobreza, fixei os olhos bem dentro de suas ameixas e lasquei o verbo: “Lud, vamos tomar uma cerveja ali no bar do Toninho?” Não poderia haver insulto maior para uma menina acostumada a passarelas, vôos internacionais e cursos de Inglês. Era como se eu dissesse para Xuxa (o que aconteceria tempos depois): “Qual é a cor da sua calcinha?”
Capítulo 13 topou na hora. Andamos uns cinqüenta metros e executamos a cena mais impressionante do mês de setembro: uma socialite, magnificamente comportada, tesão para homem nenhum botar defeito, toda-toda, requinte de todos os requintes da cidade, bebendo cachaça ao lado de um tabaréu. Ou melhor, de um plebeu, para ser fiel ao seu palavreado, porque, nessas horas, eu uso bem o Português. Ela ficou tão extasiada com a experimentação pequeno-burguesa que repetiu a dose (sem trocadilho, mas com limão) várias vezes. Sempre falando sobre a gostosura do escondidinho e da hipocrisia da alta sociedade que lhe cobrava plumas e paetês em vez de vestidinhos de chita.
Foi um dia inesquecível para mim e para Capítulo 13. Mostrei a Lud que a vida só tem sentido quando bem vivida, que a matéria não vale nada, que o ser humano tem que viver do pescoço para cima; que a fortuna de seus pais seria destruída pelo tempo; que uma pombinha levou um século para acrescentar um milímetro ao muro de Berlim e os homens gastariam apenas algumas horas para destruí-lo. Enfim, arrasei os seus conceitos e puxei a brasa para o lado de cá. Um tanto de besteiras que, ditas numa mesa do sótão do bar, sob os olhares invejosos de um bando de alcoólatras, valia mais que o roteiro do Titanic e seus projeto mirabolante.
Com minha aquiescência, Lud casou-se, teve um filho, formou-se em advocacia e se separou três anos depois. Minha paixão por Capítulo 13 continua inteira. Tão inteira quanto à das demais, de tão cretino que eu sou.
Viajamos mundos, palmilhamos ilhas, curtimos pássaros-pretos em vôos razantes sobre as águas do Velho Chico, em Manga e Bom Jesus da Lapa, enfrentamos discrepâncias vestibulares, sorrimos das turbulências de mono e bimotores sobre as matas do Pantanal. Enfim, beijamos ardentemente a arte de viver, entre confidências, abraços e muitos ais que só meus bichinhos conseguiriam explicar.
O amor é tanto que, até hoje, eu penso que Lud é Deus.

Capítulo 14
A sensacional indiferença que faz a conquista de uma mulher
A Grandona – Eram mais ou menos duas horas da manhã. Eu, com os olhos cheios de areia, apalpei ao redor e nada encontrei. Onde estaria Zulmira? Procurei na cozinha, na copa, no banheiro, debaixo da cama, dentro da geladeira, em toda a quitinete da Rua da Conquista, ali perto da majestosa Praça Tancredo Neves.
Nada!
A vontade era de me matar. Por que fizera aquilo com Capítulo 14? Gritei:
Zulmiraaaaaaaaaaaa!!!
Nem o rato, que costumava roer os papéis da penteadeira, respondeu. E eu, naquela desesperança, sem saber o que fazer, tentando – pelo menos – encontrar os óculos sob a cama, reconciliar-me comigo mesmo, para ser bem reflexivo, bem self-service. Eis que, no tropeço da ânsia, encontro uma folha de caderno com um manuscrito que não era meu. A letra trêmula tinha um cheirinho de Zulmira e um poema que jamais esqueci.
“Um caminho incerto,/O sorriso forjado,/O olhar deserto,/Um corpo cansado.
Tristeza de ser,/De rir, de querer,/Revolta de mim,/Rezando pro fim.
Um dia, um encontro,/Teu sorriso era franco,/E eu, de repente,/Me senti como gente.
E você chegou lindo.../Comecei a te amar./Minha viva, tua vinda,/Você sem notar.
Medo do futuro,/Em lá te perder./E mais te procuro./Eu quero viver.”
Entrei em parafuso. Afinal, eu conhecera Capítulo 14 numa situação muito especial. Ela, com seus dois metros e não-sei-quanto de altura, estava esperando o ônibus no abrigo do Inocoop, bem ali na Avenida Lauro de Freitas, em Vitória da Conquista. Recém-saído da Ceasa, onde felizmente tenho bons amigos, inclusive o vendedor de raízes Sari, estava naqueles dias em que a lua cheia mexe com os sentimentos da gente. Aproximei-me de Zulmira e, de bate-pronto, sussurrei:
Como é que você consegue ser tão grandona e bonita desse jeito?
O apelido pegou. A partir de então, mais por força dos amigos Carlyle, Dirlei, Sandrinha e Marlúcia do que das viagens de Leonardo, Tico, Marcelo e Murilo, todo mundo em Conquista passou a saber quem era A Grandona, principalmente os leitores do Impacto e da Conexão.
Subimos pela Praça Victor Brito, onde lhe ofereci o primeiro acarajé das festas juninas, nos embrenhamos pela Travessa dos Artistas e fomos parar na Praça Barão do Rio Branco, onde pegamos um táxi para o Recreio e suas mansões.
No que fomos entrando, Zulmira indagou, enquanto tirava os sapatos:
Você quer coca, braquiária ou Balantines?
É lógico que preferi um Domec que dormitava na estante da sala de visitas, sobre um tabuleiro de xadrez. Capítulo 14 ligou a televisão e, entre uma fungada e outra, foi me deixando inteiramente à vontade. Tirou a roupa, jogou a calcinha sobre o fogão e se dirigiu ao banheiro, enquanto eu apreciava um CD da história do samba. Como era doce ouvir A Grandona cantarolando sob o chuveiro, procurando acompanhar Martinho da Vila!
Comecei a filosofar dentro de minha cabeça, achando que os homens, de modo geral, não têm noção do que é a arte de se conquistar uma mulher. Mas o certo é que, naquele momento, ali em Conquista, ouvidos atentos ao som eletrônico e ao som gutural, eu me sentia o verdadeiro conquistador, superior a Tom Cruise, Antonio Bandera, Leonardo Di Capri e outro s pseudo-galãs. Por um motivo muito simples: Zulmira,
querendo; eu, fingindo que não. Existe sacanagem pior do que esta? Fosse um ingênuo e já estava lá sufocando a coitada em seu purificante banho.
Quando saiu do chuveiro, lindamente despida em seus pelinhos multicores, A Grandona provocou, como se falasse com um maricas:
E então, vamos ao show da Banda Eva, na Praça do Gil?
E eu, mais sem-vergonha do que nunca:
Claro que sim!
Isto, já lascando um dos meus beijos molhados na sua língua estorricada. Sinceramente, nunca vi uma mulher tão desapontada como aquela, naquele momento, naquele instante de indiferença suprema em que eu fingi trocá-la por algumas horas ao lado de Ivete Sangalo.
Bastaram três beijos para que A Grandona entendesse a superioridade do homem sobre a mulher. Engalfinhamo-nos em poses variadas, às vezes ela por baixo, outras vezes eu por cima; derrubamos mesas e cadeiras; bagunçamos a cozinha; ensopamos cobertas e cobertores; enfim, lá pelas 4 da manhã, Capítulo 14 – enfastiada como se fora um molambo – virou-se para mim e indagou, em forma de ordenamento:
- Dá pra parar?
Eu abusei mais uma vez:
E por que você não pára de dar?
O que Zulmira não sabia é que, antes do encontro na Lauro de Freitas, eu a enfeitiçara com uma garrafada preparada por Chico Preto, o Rei do Vodu, e que continha urina e coliformes fecais dos sete príncipes da magia negra: cobra, coruja, corvo, gato, lagarto, morcego e sapo cururu. É por isso que, até hoje, A Grandona continua na minha cola. Apesar de ter desaparecido exatamente às duas horas da madrugada de hoje.

Capítulo 15
Quando os sapatos se encontram
Valmira - Se Capítulo 13 foi a mulher que me fez acreditar que Deus existe - e não faria nenhum mal se fosse Deusa - e Capítulo 14 me encantou com seus vícios, suas taras e sua enorme capacidade de adorar a indiferença masculina, Valmira estraçalhou meus princípios quando me fez conhecer a beleza que é uma mulher gostar de outra mulher. Sempre, naturalmente, amando o homem do seu coração, chamado eu.
É verdade que, anos atrás, eu me assustara com a cena do Teatro Galpão, em São Paulo, ao lado de Capítulo 12, quando, pela primeira vez, vi uma fêmea se engalfinhar na boca de outra. Mas Valmira foi muito mais ousada, talvez porque, aí, a gravidez de biquíni da Leila Diniz nas praias do Rio, as teorias de Madame Bovary, a minissaia de Mary Quant e as bandeiras do movimento feminista espalhadas pelo mundo já extrapolavam todos os escândalos conduzidos por Mário, Oswald de Andrade e os demais participantes da Semana da Arte de 22.
No meu modesto Corcel vinho, após longa temporada de paquera (era esta a forma de se dizer ficar), combinei com Capítulo 15 que a buscaria em casa, para uma noitada no barracão que acabara de alugar num bairro da cidade. A época era difícil, a polícia política, a chamada P-2 andava vasculhando nossas andanças para rechear as inúteis pastas pretas, a imprensa correndo atrás de um furo sensacionalista, mesmo sem paparazzi. Enfim, Valmira entendera que não poderia pisar na bola com seu amigo fiel, recém saído de 12 horas de labuta e necessitado de uma sumiço passageiro.
Eu não sei se você entende o que é paixão por uma mulher, mas, naquela noite, Valmira era simplesmente tudo que eu pretendia na vida. Uma mulher pela Qual eu
saltaria fogueira, pularia dentro de cisterna e atravessaria na frente de uma bazuca ou de uma carreta da Andrade Gutierrez, no deserto do Saara, gritando “Alá, Alá...”
A desgraçada, parece que, só para contrariar - sem nenhuma referência à banda mineira -, vestiu uma roupa preta que contrastava deliciosamente com sua tez aloirada e foi me esperar na Praça da Matriz. O primeiro arranque aconteceu ali mesmo. Estou tão inebriado com as lembranças de Valmira que me esqueci de dizer que, naquele dia, eu estava gazeteando uma prova de Medicina Legal marcada por dr. Hélio e que valia a passagem daquele para o ano seguinte na Faculdade de Direito. (Esta é apenas uma técnica para tirar a tesão do leitor, ou da leitora, no permanente ciúme que mantenho por Capítulo 15).
Terminadas as exéquias, ensaiados os amassos, cumpridas as obrigações eclesiásticas na Matriz, saímos direto para o Bairro Morada do Parque. Direto não que, no caminho, Valmira pediu que eu passasse na casa de sua amiga Carla, na Rua da Boa Vontade, ali no Santa Rita. Tudo bem, respondi, e enfiei o Corcel pelas vielas da cidade, já então desenvolvendo uma ótima fantasia surubática (ou seria sorubática?), diante das informações, prestadas pela própria Valmira, de que estávamos nos dirigindo ao encontro de um verdadeiro avião. “Um Boeing”, disse, “para ser mais modesta”.
Rapaz, quando me deparei com aquele 747, quase caí de costas! Capítulo 15 desapareceu diante do jato que abriu o portão e perguntou o que era... Malandramente, fiquei na minha, mãos ao volante e ouvidos ligados no rádio do carro. Já os olhos, que gulodice...
Parece mentira, mas o fato é que - exatamente naquele momento ali na Rua da Boa Vontade - senti que era o dono do universo. Eu, num Corcel velho e surrado, que tantas vezes me deixara na mão, ao lado de dois monumentos da espécie humana, duas personagens que jamais lera em qualquer livro e nunca vira em tela de cinema ou televisão. Meu rosto não parava de rir. Minha cabeça não parava de pensar. Meu corpo não parava de querer. Estava completamente intumescido.
A pedido das gatinhas, passei no Restaurante do Papai e comprei um litro de uísque, umas dez latinhas de cerveja, uma pizza gigante e uns dois refrigerantes tamanho família, mandando o Bê abotar. Mais feliz do que menino quando ganha um pirulito, dirigi-me para o Morada do Parque, na condição de rei das mais formosas princesas do chão de Minas. Chegamos, abrimos a pousada da Rua Tu Peixoto (antiga Rua 14), despimo-nos do calor sufocante e nos preparamos para um menàge a troi trivial. Pelo menos na minha imaginação.
O que eu não sabia é que Valmira e Carla eram marido e esposa.
Decepção? Você acha que isso é decepção? Quando vi que as duas se embolavam, lindas, lindas, sobre os lençóis, tomei duas providências: primeiro, pedi licença para fazer uma foto que até hoje me causa arrepios, de tão bonita que é aquela cena de uma mulher contemplando a do seu sexo com aqueles olhos pueris. Depois, virei autoridade e dei um grito varonil: “Eu também quero participar dessa porra aí”...
Uma decisão tão séria, um respeito tão profundo às querências do ser humano, que até hoje continuamos perdidamente apaixonados. Eu, Valmira, que no caso é a passiva, e Carla. Sem preconceitos.

Capítulo 16
Mulher que gosta de apanhar demora a falar
Neusinha - Desde que estreara na redação do antigo Diário de Minas, depois transformado em Hoje em Dia por obra de Tito Guimarães, inclinei-me por uma baixinha comunicativa, riso largo e olhos espertos, que trabalhava na editoria de Internacional. A
editoria de Polícia, da qual eu era o sub-editor, fechava por volta da meia-noite. A de Internacional um pouco mais tarde.
A coincidência do horário de fechamento era um motivo a mais para descermos as escadas do antigo prédio da Praça Raul Soares e tomarmos um chope na pizzaria ao lado do Cine Nazaré. Ali, desenvolvíamos longas reflexões sobre a (falta de) liberdade da Imprensa, debates que contavam com a participação alternada do Ronaldo, Romero, Américo, Wilma, Aloísio, Peninha, Regina, Juraci, Heloísa, Fabíola e o pessoal da diagramação e do sindicato. Às vezes, formávamos até três mesas para chegarmos à mesma conclusão de que nenhum jornal do mundo é independente.
A turma se desfazia paulatinamente e nos dirigíamos ao Clube Elite, que, na verdade, é um barzinho de ex-casados onde se aplicam cursos de danças em Belo Horizonte e que fica ali ao lado do Minas Centro, na Curitiba. Que vem a ser a rua onde eu morava, numa república dividida com Junô e Anselmo. Capítulo 16 e eu dançávamos tanto, do tango à meteórica lambada, que amanhecíamos arrebentados e felizes, preparados para o plantão e a nova rodada de debates, rega-bofes, forrobodós e trepações.
Por iniciativa de Capítulo 16, foi formada, numa sexta-feira 18, uma turma para comemorar o meu aniversário. Cada um participaria com uma garrafa de bebida ou um pacote de salgados, que a pretensão era atravessar o fim de semana numa farra digna das maiores manchetes do Cabaré Mineiro, aquele da Gonçalves Dias. O local escolhido, é claro, fora o apê deste degas aqui, onde o Junô ensaiava uma banda de rock e se dispôs a fazer a trilha sonora, enquanto participavam, ele e os da banda, da boca-livre.
Tudo correu numa boa, todo mundo na sua, um tomando sua cervejinha ali, outro se deliciando com Coca com Vodka acolá, mais um consumindo o seu viciozinho na cozinha. Como bom anfitrião, deixava que tudo corresse à solta, além de bancar o garçom solícito, que a todos os pedidos atendia, inclusive o de ceder a cama para relações variadas e de propósito ignoradas. A banda zunia a toda altura, superando a barulheira da Avenida Bias Fortes e seus milhões de automóveis.
Na tarde de domingo, 48 horas depois, todo mundo esfalfado, o estoque secado, as roupas enrugadas, foi saindo um a um. Junô percebeu que estava sendo demais e também se mandou. Ia dar um bordejo na Savassi, disse. Ficamos Capítulo 16 e eu.
Não sei qual dos dois estava mais travado, mas a verdade é que Neusinha, repentinamente, parece que sob a incorporação de Pomba Gira, desfechou uma série de ataques à minha pessoa. Dizia que eu era milionário e que era por isso que a submetia a meus prazeres; que, pelo fato de morar no Centro de BH, humilhava as outras pessoas; que só dormia comigo porque sua casa era muito longe, no Barreiro de Cima; que havia homens muito melhores do que eu; que ia fazer eu engolir o jornal com a matéria da mulher que matou o próprio filho na Barroca...
Para resumir a conversa: Neusinha, em prantos, implorou que fosse surrada, espancada, esmurrada. Só então descobri que estava me relacionando com uma masoquista. A partir dali, nosso relacionamento ficou bem melhor. Demorou porque ela se esquecera de avisar.

Capítulo 17
O sofrimento de viver com uma estátua
A Ceguinha – Eu sempre sonhava em namorar, morar, me casar com uma mulher que não me enchesse o saco. Uma mulher santa, sobretudo virgem, que concordasse com tudo que eu dissesse. E que, evidentemente, me considerasse como o
homem mais lindo do mundo, acima de qualquer atorzinho de televisão. Pois fui encontrar essa mulher na Bahia, mais especificamente em Bom Jesus da Lapa.
A Lapa de Bom Jesus, como dizem os romeiros, com todo seu misticismo, com o fervor da sua Catedral, com o lufa-lufa de sua ponte monumental e um mundo de ônibus e paus-de-arara que não cabe nem na China, me colocou de frente para Agda. Muda de nascença e com apenas 10% de capacidade visual, Capítulo 17 já passara por todos os rituais católicos e satânicos em busca da múltipla cura. Seu pai vendera três fazendas e 300 reses no rastro de centenas de penitências, em vão.
Quis o destino que me encontrasse com A Ceguinha numa dessas jornadas fervorosas. Tornamo-nos amigos, fiéis contritos aos mandamentos divinos, eu sempre procurando mostrar-lhe a importância da perseverança e da crença no impossível. Não demorou muito e Agda começou a balbuciar as primeiras palavras. Isto quando a família, desesperada e sem recursos, já a abandonara a seu próprio azar. Quer dizer, deixou o abacaxi nas minhas mãos.
Capítulo 17 atendia a todas as minhas recomendações que só se vendo. Uma gracinha! Claro que não sou nenhum Edir Macedo – senão estaria rico -, mas me espantei quando, uma noite, próximo ao Clube Social, Agda virou as bolas esbranquiçadas dos olhos e disse, entre tartamudeante e sorridente: “Eu te amo”. Levou um mês para soltar a frase mas, para nós, foi uma glória.
A partir dali, tudo mudou na nossa vida. Larguei todas as quatro mulheres com as quais vivia e passei a me dedicar exclusivamente a Agda. Ganhei importância imensurável na sua vida. Era como se fosse uma cadelinha à minha disposição, para o que desse e viesse. Principalmente o que desse. Eu a tratava com muito carinho, mas o carinho que ela me dava era muito, muito superior. Cheguei a ficar até 24 horas ensinando-lhe o alfabeto, letra por letra, vogal por vogal, numa tarefa incessante/insensata que, felizmente, culminou com o seu aprendizado, a partir do momento em que aprendeu a escrever o próprio nome e ganhou um vistoso e demagógico Diploma de Alfabetização do Governo de Minas.
Como a curiosidade pública era muita, criei a lenda de que A Ceguinha se curara durante uma visita à sala de muletas da Catedral de Bom Jesus, onde até hoje se lê um cartaz com o seu nome e a data do suposto milagre: 11.12.1991. Coisa para beata acreditar e continuar enriquecendo as agências turísticas das Américas. Aos poucos foi melhorando, também, a visão de Agda. Capítulo 17 já conseguia distinguir entre eu e o Ratinho, por exemplo. Dizia que a barriga do Ratinho era maior do que a minha, o que já era um santo progresso. E motivo de muita comemoração, a calcinha toda molhada.
Aí começou a bagunça. Na proporção em que se expressava com naturalidade, longe daquela mudinha que eu conhecera, e que passava a enxergar além do nariz, Capítulo 17 mudou completamente o seu comportamento. Não mais a mulher submissa, que a tudo atendia, que me entendia, que aceitava os meus complexos e preconceitos. Não mais a mulher quietinha no seu canto, que apanhava sem reclamar, que aceitava as minhas taras, que cumpria – religiosamente – os meus ditames.
A Ceguinha virou outra pessoa. Resolvi voltar com ela para a Bahia. Talvez fosse questão de clima... Qual nada! Na Praça das Nações Unidas, em Candiba, com a visão 80% melhorada, encarou tanto um fazendeiro amigo do prefeito, que fui obrigado a chamar sua atenção em público, o que nunca fizera antes. Em Palmas de Monte Alto, pecado dos pecados, gritou comigo em frente ao mercado, com um vozeirão que mais parecia Pavaroti em final de Copa do Mundo. Em Matina, cuspiu sobre meu conhaque só porque sugeri que ela passasse a usar lentes de contato ou fizesse uma microcirurgia a laser. Mas a gota de lágrima derramou, mesmo, quando, na Praça Cel. Zeca Leite, em
Brumado, Agda pulou porsobre o regato artificial e começou a comer peixinhos ornamentais, junto com pedras e lodo. Não é preciso ficar aqui dizendo que Capítulo 17 enlouquecera. Eu é que não fora.
Naquele momento, lembrei-me de Capítulo 12. Só que, na Praça da Santa Casa, em Montes Claros, Kátia se limitara a se deixar fotografar na piscina pública, saudosa das águas salgadas de Jacarepaguá/Barra, enquanto A Ceguinha enchia a barriga com os peixes miúdos da Praça da Prefeitura. O negócio foi tão feio que estragou a apresentação cívica da fanfarra de Caetité, que se juntava aos alunos do Colégio Estadual de Brumado, em números variados de folclore, concertos e folguedos, na quadra do coreto, entupida de gente.
Um vexame!
Já madrugada nos embicamos para Guanambi, onde, no projeto de irrigação de Ceraíma, encontrei um lago desses de pesque-pague e deixei A Ceguinha com um homem chamado Fernando. A vida é desse jeito. Só agora é que cheguei à conclusão de que é preferível, mil vezes, uma mulher que fale, ouça e escute. Como as outras 73 que eu amei.

Capítulo 18
Por aquele pedação de mulher, quase virei padre
Cida - Amar é algo sobrenatural, mas é sobretudo anormal. É difícil encontrar-se um cachorro apaixonado por uma cadela. Vai-se o cio e o amor desaparece. Assim acontece com os demais animais, à exceção do homem, que jamais esquece os seus amores. Dizem que há, também, o caso do tatu, que jamais se esquece do buraco antigo. Houve uma Cida em Bocaiúva que desestruturou meus sentimentos. Por ela, rompi os dogmas antirregiliosos e me integrei ao grupo de jovens da Igreja de Senhor do Bonfim, passando a freqüentar todas as reuniões de quinta-feira. Parecia um padre de passeata, como dizia Nélson Rodrigues, faltando apenas os paramentos. Nada daquele niilista de antanho.
Era uma gracinha, um coroinha, ou melhor, um coroa misturado a jovens imberbes e garotas recém-menstruadas, lendo os livros da Bíblia e fazendo profundas reflexões sobre o cristianismo. Cinicamente, dava depoimentos sobre minha vida, falava da minha conversão a Cristo, e até assistia às missas dos domingos. Que pecado! Tudo isso por causa de Cida. E, de alguma forma, também da Karine, que vinha a ser sua companheira inseparável e que ficava o tempo todo me dando conselhos e me ensinando a beijar, coisa inacreditável para um senhor rodado na vida e uma menina de 19 anos. Uma manhã, ficamos cerca de 30 minutos atracados um aos lábios do outro, para, depois, ela dizer que fizera aquilo por gostar muito de Cida, já que eu não sabia acarinhá-la... O episódio foi em sua casa, próximo à Praça de Esportes, enquanto Cida, ingenuamente, trabalhava nos preparativos da procissão do santo mais venerado da região. Ô coitada!
O relacionamento se estreitou, até cair na inevitável proposta de casamento. Aí, fui obrigado, quatro meses depois (é a média), a dar um definitivo adeus às delícias da cidade morena. Mas Capítulo 18, com sua voz meiga, seu corpo sempre quente, a boca eternamente molhada e uma cabeça incrível, jamais sairá do meu coração. Foi amor de verdade.

Capítulo 19
No meio do jantar, uma confissão inexplicável
Gina - Amor de verdade, também, tive pela Gina, do lado de cá do mapa. A convivência profissional acabou desembocando num relacionamento acalorado, inesquecível sob todas as formas. Extremamente tímida, Capítulo 19 se transmudava quando ficava entre quatro paredes. Virava o cão. Aliás, foi com ela que, assustado, vi a primeira pessoa fumando maconha. Foi assim: eu, pelado ali defronte do canal 4, assistindo às indecências das fitas do motel, e ela na salinha envidraçada ao lado, fazendo o seu baseado e rindo desbragadamente pelo sucesso da transa. Depois, ficou lá pitando, enquanto eu devorava meu gin-tônica.
Foi Gina a primeira mulher a declarar que adorava minhas pernas e que sentia um prazer imenso em não machucá-la durante as penetrações. Esse duplo elogio ao corpo e à mente é apenas demonstrativo do carinho com que sempre trato as do outro sexo, antes de possuí-las integralmente. Não é à-toa que fui sagrado como massagista de madame e o homem mais gostoso da cidade.
São incontáveis os contatos que mantivemos ao longo do tempo, até que me mudei para Belo Horizonte. Na tarde da sessão de votação do impeachment de Newtão, Gina adentrou a Assembléia Legislativa toda linda e sorridente. A paixão voltou na hora, numa euforia que assustou até aos seguranças. Almoçamos por ali mesmo e combinamos passar a noite juntos. Não sei por que cargas d’água, quando jantávamos no Arroz com Feijão, na Avenida do Contorno, virei-me para Gina e disse-lhe, na maior cara-de-pau, que jamais voltaríamos a ter um relacionamento intenso como acontecera até então. E que ela jamais seria a mulher da minha vida. Acabou a noite.
Anos depois, durante uma festa no barzinho Chica da Silva, Capítulo 19 desabafou, entre lágrimas, num canto do balcão: eu a decepcionara profundamente, porque me considerava seu guru, a pessoa que mais amava, e eu dera aquele fora indelicado e frustrante, sem quê nem pra quê. Tentei reconciliar, jurando amor eterno. Sem chance. Até hoje meu coração está ferido. São essas anormalidades que diferem o homem dos demais animais mentirosamente tidos como irracionais.

Capítulo 20
Desta vez, o flagrante foi no jardim de inverno
Yasmim – Enganam-se os que afirmam que toda mulher bonita, especialmente quando loura, é burra. Yasmim, além de linda e maravilhosa, é uma mulher cujo QI ultrapassa o grau 200. Elegante, herdeira de um patrimônio incalculável em Ilhéus, nem assim Capítulo 20 se deixa levar pelo orgulho que enfraquece os mais fracos. Extremamente bondosa, dá vazão à espiritualidade paterna, usando a matéria apenas para o engrandecimento cultural, através de viagens internacionais e da aquisição de obras de arte, CDs clássicos e de milhares de exemplares da literatura universal, pois que sua quilométrica biblioteca vai até ao teto barroco da mansão do centro da cidade.
Também professora, naquele tempo Yasmim publicava poemas em jornais baianos, sempre sob pseudônimos, talvez temerosa da censura por parte dos leitores conservadores, pois poucas pessoas sabiam do seu querer erótico, implícito nas poesias explícitas. Aprendi muito com Capítulo 20, com quem atravessava horas falando de assuntos gerais, bebendo os gênios da humanidade e comendo as corda do Di Giorgio com o qual ela me ensinava a tocar. A amizade se estreitou, virou namoro, mas nem assim despertou a atenção do marido. Ao contrário, sempre que me encontrava, o convite era batata:
Vá lá em casa. Yasmim adora conversar com você...
O homem não sabia o risco que estava correndo seu amor próprio, sua auto-estima. Até o dia em que nos flagrou no jardim de inverno trocando um ardente beijo na boca. Pigarreou, deu meia volta e foi ver televisão. Não sei que tipo de apelo tinha aquele tal de Sérgio Chapelin para proporcionar tão disparatada troca. Naquela noite, dormimos na poltrona.
Dormimos, não, que eu não era louco de expor minha vida à mira do inimigo, embora pudesse ouvir, cá do salão, os roncos vindos do segundo andar.
Dias depois era selada a separação do casal. O que fez com que, em vez de esquentar, esfriasse a relação entre eu e Capítulo 20. Não tenho remorso. Por todos os momentos de prazer que vivemos, acho que fiz um bem à humanidade.

Capítulo 21
Ela filosofava até nos momentos mais dramáticos
Chafia – Tão meigo, ameno e apaixonante relacionamento tive com Chafia que até hoje não sei porque não estou ao seu lado. Seria excesso de prazer? Alguns janeiros mais nova do que eu (ela de Virgem, eu de Capricórnio), Capítulo 21 tinha em mim uma espécie de pai. E era paternalmente que eu a tratava. Cuidava direitinho de Chafia, colocando docinho na sua boca, dando umas palmadas no seu bumbum, ensinando-a a trepar coqueiros, dando-lhe – diariamente – um banhozinho de gato. Era amor mesmo!
Sua visão de mundo me impressionava. Embora jovem, Chafia dominava discussões com os intelectuais do Morro, como Agnaldo de Seo Crispim, Vieirinha, Roldão, Selma, Luquinhas, Ró, Bete, Dimas e Roberto. Essa turma era tão metida a cientista que acabou construindo o primeiro foguete do Brasil. O lançamento, ao qual compareceram Cícero Baé, Celso, Lóia, Cristina, Beatonga, Clareth, Haroldo, Wílson, Zeca, Betinho, Nilsinho e Onofre Carne Preta, foi um acontecimento. Com aquele monte de gente em volta do campo de futebol, Elias acendeu o pavio da pólvora e correu pra junto do povaréu. Uma festa!
Piiiiiiiiiiiiisssssssiiiiiiiiiiii....
O foguete subiu uns três metros, embicou pro lado da rapaziada, que saiu em disparada, e foi estourar no telhado de Mílton Baleiro, destruindo a gaiola do papagaio e detonando a penteadeira do quarto de João Soinho. Em meio ao tumulto, Capítulo 21 filosofou: “Só se chega ao céu através do rompimento de nossas limitações”. Passados tantos anos, até hoje não entendi bem sua colocação. Ao contrário, Chafia sempre absorveu – muito bem – todas as minhas colocações.
O apelido fora dado por mim durante um cruzamento de planetas, aquela mistura de estrelas que volta e meia explode na mídia e frustra nós cá de baixo, os terráqueos. A partir dali, sempre que a lua se enche, Chafia desponta majestosa no firmamento. Não dá para esquecê-la. As duas se parecem tanto que, fosse feito um exame de DNA e certamente se chegaria à conclusão de que a estrela aqui da terra é filha daquela constelação lá de cima, que encanta os meus olhos e me deixa com essa cara de bundão.

Capítulo 22
Uma amiga que me triturava na cama
Sapeca – Foi, disparadamente, à exceção de Capítulo 74, o melhor bumbum que se assentou em minhas coxas. Capítulo 74 é daquelas mulheres apaixonantes, sempre sorridente, exalando alegria por todos os poros, transmitindo um astral cada vez mais
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para cima, enfim, um doce em permanente fervura. Com Sapeca não há daqui a pouco, não há talvez, não há deixa eu ver. Chamou, ela está sempre disposta, mochila na mão, pronta para ir para qualquer lugar. Pelo menos era assim comigo. De Porto Velho a Trancoso, de Belo Horizonte a Fortaleza.
Tanta disposição, tanta determinação, tanto afeto culminaram com uma amizade duradoura. Sexo seria apenas conseqüência. Aqui, uma confissão: demorei muito tempo a transar com uma mulher quente como Capítulo 22. Ela me triturava na cama, me fazia de gato e sapato, arrasava meu machismo, me transformava em seu bonequinho de prazer. Sem nunca perder a tesão. Queria sempre mais e o único jeito de aplacar sua tara era dar-lhe uma caipirinha, que ela sorvia com igual sofreguidão energética.
Os que chamam Capítulo 22 de Sapeca Bundão – apenas pela aparência – não imaginam a extensão de caráter que há dentro daquela mulher. Tão digna e honesta, que jamais me traiu, embora sabendo das outras relações e até se relacionando com alguns dos meus amores. Era amiga mesmo! E, com certeza, continua a sê-lo. Sem selo.

Capítulo 23
A produção independente que não aconteceu
Gusta - Não tão fogosa como capítulo 22, mas também necessitada de sexo contínuo, Gusta muitas vezes colocava o amor acima de uma boa trepada, o que me deixava intrigado. O detalhe é que, como a grande maioria das minhas amizades, o primeiro encontro com Gusta surgiu de uma polêmica até hoje gerando arrependimentos por parte do colunista que disse ao seu ouvido: “Você é muito bonita, independente financeiramente, culta, merece coisa melhor...” A coisa pior a que ele se referia era aquele jegão que dançava com ela no meio do salão.
Entre gargalhadas, Capítulo 23 me segredou a história, deu uma banana para o desconsiderado, passou a dançar ainda com maior desenvoltura e, já madrugada, me levou para uma sessão ao piano que misturava clássicos de Verdi, Bah e Mozart a chorinhos de Chiquinha Gonzaga, folclore latino, valsas, boleros e composições de Tom Jobim, Vinícius de Morais, João Bosco e Aldir Blanc.
Que noite! Que madrugada! A amizade continua a mesma, embora sem a freqüência das deliciosas transações ora no banco da frente do fusca (para matar a saudade de Capítulo 11), muitas vezes em motéis e outras tantas debaixo da cama, para não chamar a atenção da gurizada atenta ao inhenhén da cama de casal. Outra confissão: como a Xuxa (embora sem comê-la), Gusta sempre buscou uma produção independente, mas, até hoje, não teve a Sascha tão sonhada por nós.

Capítulo 24
Seu orgasmo era tamanho que produzia convulsões
Claudona – Hoje morando em Sete Lagoas, Claudona continua com o mesmo charme, a mesma classe, a mesma elegância que a diferencia de outras mulheres. Expulsa de casa pela gravidez prematura (lógico, na visão de seu pai), embrenhou-se pelo mundo, apanhou, comeu o pão que Satanás amassou e acabou caindo nos braços de um homem liberal, atencioso, disposto a ouvir seus reclames e a entender sua depressão crônica.
Morena clarinha, estatura avantajada, Claudona ostentava um sorriso desse tamanho entre lágrimas incompreensíveis. Chorava de sua própria felicidade e ria de sua própria desgraça. Era isso que ela queria que as pessoas entendessem. Daqueles lábios
enormes saíam ensinamentos preciosos. Aprendi muito com Claudona, sobretudo, compreender o sentimento do ser humano, por mais abjeto que seja.
Capítulo 24 apaixonou-se tanto por mim que passei a ter medo de sua paixão. Sem evitá-la. Nas muitas vezes em que nos encontrávamos, Claudona parece que devorava tudo que havia em mim, com uma ânsia implacável. Chegava a vomitar de tanto prazer, lambuzando minha roupa e me obrigando a me sujar de terra, me ensopar de gasolina, para não ter problemas em casa. Mas eu adorava o seu vômito e voltava na noite seguinte para levá-la novamente à convulsão orgástica.
Qualquer dia irei revê-la na cidade dos lagos. Com ou sem enjôos.

Capítulo 25
Do vexame das formigas ao enxame de abelhas
Míriam - Quando seu tio a apresentou, teve a desdita de me recomendar, meio sério, meio irônico: “Cuidado, que ela é virgem!” A partir daquele dia, Míriam não saiu do meu pensamento e de minha ação. Passou a ser marcação cerrada, como um lobo faminto atrás de um pedaço de carne. Era necessário que se iniciasse um namoro para que o avanço prosseguisse. Iniciaram-se, então, os agrados a Míriam, que toda mulher adora ser presenteada e adulada.
O que mais aguçava meu apetite era o cheiro de virgem que toda virgem tem. Um odor suave, ameno, adocicado. Muito séria, Capítulo 25 exigia – sem impor – um tratamento respeitoso, o que, aliás, era norma da família. Aquele negócio de namorar em casa, chegar até 9 da noite, não beijar em público... Tudo isso foi me cativando até apaixonar-me por inteiro.
A primeira escapada aconteceu numa festa de noivado que se realizava na roça. Aproveitei-me da distração do pessoal e saí com Míriam para o fundo do quintal. Quando já havia conseguido deitá-la ao chão, Capítulo 25 levantou-se de uma vez, coçando exasperadamente as costas, as pernas, os braços, as mãos, tudo. Eram formigas, daquelas pequenininhas, pretinhas, conhecidas como jaquitaias. Sua picada arde mais do que a peste. Toda empolada, Míriam correu para o banheiro, demorando a explicar para os convivas e parentes por que aquele banho fora de hora.
O certo é que aquele formigamento campal aumentou o fogo da menina que, com o passar dos dias, foi se interessando mais pela pesquisa corporal, apesar dos não-me-toques de todo início de ritual erótico. Tornamo-nos homem e mulher, já com um certo consentimento da família, inclusive do tio. A auto-descoberta melhorou substancialmente nosso relacionamento.
Não posso negar que sexo tenha sido uma constante substancial nessa relação, até porque o vocábulo já sugere isto. Mas a afinidade e o afeto que me uniam a Míriam eram algo comum à convivência com as demais mulheres, o que me convenciam de que tudo era absolutamente normal. Algumas cenas marcaram esse concubinato, como a noite em que Capítulo 25 saiu desesperada da piscina do motel, fugindo de um enxame de abelhas chinhenhen que se juntou aos seus cabelos. Muito mais interessante, àquela altura, do que o vexame das formigas no fundo da fazenda.
Momentos assim tragicômicos a deixavam leve e descontraída, o que quer dizer que muitas vezes eu os provocava apenas para aumentar a força daquela paixão até hoje muito viva dentro de nós

Capítulo 26
A doçura que eu perdi para as revistas de sacanagem
Lílian – Acabara de acordar quando a campainha tocou. Assim por volta das 7 da manhã. Lílian soltou duas grandes bolsas no chão e, como fazia sempre, abriu os braços e gritou meu nome no diminutivo. Não deu tempo para que eu respondesse o caloroso cumprimento.
Vãobora. Régi! Vãobora! Anda, vamos, vamos!!!
Não entendi. Ela continuou, a voz mais estridente do que nunca.
Você está me enrolando esse tempo todo mas, agora, chega! Vamos pra Porteirinha, que eu quero apresentar você para meus pais. É lá na roça, pertinho da cidade. Anda, anda logo!!!
Minha reação não poderia ser diferente.
Você está louca, Lílian? Como é que eu vou viajar assim de repente? Você pirou?
Capítulo 26 deu aquele risinho de canto de boca que me deixava louco e provocou.
Que nada, Régi... Você está é com medo da responsabilidade.
Responsabilidade de quê, Lílian?
De me assumir de vez. Todo homem é assim: usa a gente, diz que faz tudo pelo amor, jura que se sujeita a qualquer sacrifício e, na hora agá, pula fora. E então, você vai ou não vai?
Esta pergunta foi repetida 258 vezes até Capítulo 26 convencer-se de que teria de viajar sem mim. Jacqueline e Felisberto ficaram morrendo de rir, no Santa Lúcia, quando ficaram sabendo do episódio e, sacanas, me aconselharam a pegar a estrada ensolarada de Porteirinha e ir atrás de Lílian. Até que seria interessante, mas a razão superava a emoção.
Capítulo 26 é uma baixinha linda. Atriz emergente, encantara a platéia na semana anterior com um strip-tease generoso. Suas formas são marcantes, começando pelo rosto macio e delicado, emoldurado por duas covinhas e uns olhos pretos e cintilantes, desses que não param de piscar um milésimo de segundo. Os cabelos, também pretos, são anelados e cobrem os ombros, sempre espiando os seios empinados, do tamanho de duas bolas de tênis. Barriguinha de praia, as nádegas de Lílian só poderiam ser criação de Deus Nosso Senhor. É difícil para um homem fazer tão esplendorosa formosura... A penugem não cessa de tremular. As coxas são saborosas, as canelas quase finas se sustentam sobre dois pezinhos de dar água na boca de qualquer pedófilo. Ou não.
Terminado o espetáculo, dois caça-talentos que se diziam paulistas foram ao camarim convidá-la para um ensaio numa revista erótica.
Acho que a cena das bolsas soltas no alpendre do Bairro São José era a senha que faltava para que Lílian se libertasse de vez. Dias depois o Dener do Caldo de Cana me contou que, em vez de Porteirinha, Capítulo 26 partira para São Paulo. Deste então, compro todas essas revistas pornográficas para ver se identifico, entre os figurantes daquelas historietas sem roteiro nem enredo, o rostinho ingênuo de Lílian.
Ô dó de mim!

Capítulo 27
Foi assim que a doidinha se desendoidou
Maria Doida – Esta era assumidamente louca. E não precisava sair gritando... Ficava o dia inteiro no passeio em frente a sua casa, gesticulando e recitando em voz alta as questões que a levaram a ser reprovada no vestibular de Medicina. O que era motivo de chacota para uns e de pena para outros. Branquela e magricela, Capítulo 27 ficava dias sem se alimentar. Em compensação, tomava café o dia todo, que esta é uma característica dos desajuizados.
Passei por Maria Doida uma, duas, três vezes. Resolvi abordá-la. A princípio, nem tchium. Continuou formulando suas equações, recapitulando teorias genéticas, declinando os tempos variados dos verbos. Entrei na dela. Utilizando a psicologia aplicada, imitava tudo que a maluquinha dizia. Maria Doida dava o mote de lá, eu repicava de cá. Agora eram dois malucos sob observação pública. Incorporei tão bem o papel que, daí a pouco, não se sabia o grau de insanidade de cada qual.
Com a técnica da reversão, fui trazendo Maria Doida para o mundo real, fazendo com que ela passasse a ser o seu espelho. A transferência funcionou cem por cento. Quando os da casa viram Capítulo 27 conversando animadamente comigo, foi uma festa. O impossível acontecera: Maria Doida já não era tão doida assim. Convidaram-me para entrar e me ofereceram café com bolo, que recusei educadamente, temendo adquirir a tal síndrome.
Ordenei Capítulo 27 a ir tomar banho e trocar a roupa de três dias. Ordenei, sim, com a aquiescência da família, sobre a qual passava a ter amplo domínio. Para os pais e irmãos de Maria Doida, era Deus no céu e eu na terra.
Enquanto aguardava seu retorno, ficava pensando: teria Maria Doida sido vítima, realmente, da derrota no vestibular? Horas depois saberia que não. O mal dela era outro. Desde que fora seduzida, aos 13 anos, na balsa de Maria da Cruz para Januária, sobre as água do Velho Chico, Maria Doida andava louca para sexuar a céu aberto, mas não encontrava cabra arretado para saciar sua fome. O vestibular fora apenas pretexto, confessou.
Voltamos às 3 da manhã, a mãe esperando na porta, agradecida pelo bem que eu fizera à filhinha amada. Já então tinha suprido a fantasia de Capítulo 27 no banco de um ponto de carroceiros, no coreto da Praça da Matriz e na rampa de embarque/desembarque da estação rodoviária. Inúmeros outros locais se sucederiam, para deleite dos amantes do voyer.
Hoje, Maria Doida é simplesmente Maria. Loucamente Maria.

Capítulo 28
Como é bom voltar a anteontem como se fosse hoje
Salete – De volta a Montes Claros, fiquei sabendo que essa loura maravilhosa estaria apaixonada por um colega de Imprensa. E me senti duplamente feliz: primeiro, por constatar que ainda está viva a garra da minha turma, da minha raça; depois, por descobrir que não tinha nada a ver... Capítulo 28 continua tão fiel como na época em que vivi esporadicamente com ela.
Salete era um código usado nos tempos da brilhantina para desfiar minha paixão nas páginas dos jornais. Acabou se transformando numa tesão nacional, embora não fosse cerveja nem tenha arredado os pés da área mineira da Sudene. Todo mundo queria saber quem era aquela mulher que encerrava meus textos e ouriçava a curiosidade de meio mundo. Ela própria não sabia, até o dia da confissão num motel de Pirapora.
Hoje bem postada em seu carrão importado, Capítulo 28 carrega o mesmo sorriso, a mesma cordialidade, o mesmo erotismo da revolução cultural que sucedeu o desastre militar de 64. Ao revê-la e falar sobre este livro, sua emoção foi tamanha que agradeceu a lembrança e marcou um encontro para a noite do mesmo dia. Atitudes só tomadas por quem ama infinita e eternamente. Saciada a fome, tentei – mas não consegui – fazer o que fez Chico Anysio com Sônia Braga: deixá-la frustrada. Afinal, não é de hoje que conheço o ponto G dessa sertaneja com jeito de estrela.
Entendeu, Salete?

Capítulo 29
É claro que eu não queria comer aquela mulher
Zefinha – Depois de ver o que a baiana tem, de rever Salete e de me apaixonar novamente por Táti e Júli, fui ao morro ver Capítulo 29. Corpo como aquele só Capítulo 74 continua tendo. Esguia em sua morenez clarinha, cabelos longos e lisos de um preto escarlate, Zefinha mantém o mesmo físico e o mesmo enigma dos meus primeiros anos de profissão.
É muito difícil, após milhares de quilômetros rodados, encontrar uma mulher como Zefinha. Os pelinhos dos braços são tão lindos como os das pernas, jamais depiladas. Permita-me o leitor que não avance além dos joelhos, porque Zefinha – como o próprio nome indica – é muito tímida e se encheria de vergonha – até enrubescer a face – se eu cometesse tal inconfidência.
Foi como seu confidente que, certa vez, fiquei conhecendo o marido de Zefinha. Estávamos no Quintal, quando a conversa esquentou em cima de uma porção de feijão-tropeiro e de três copos de caipivódica. Provocante como sempre, Capítulo 29 começou a questionar meus conhecimentos na área teatral, adentrou o mundo de Brech e Stanilavisk, quis conhecer Cacilda Becker mais do que eu.
Fiquei tão irritado com Zefinha que não tive outra alternativa. Quando senti que seus argumentos eram simplesmente agressivos, sem qualquer base científica, apelei de vez. Virei-me para seu marido, com esses olhos de traíra aborrecida, e vociferei:
Epaminondas, eu nunca vou comer sua mulher...
O clima esquentou, ela clamou insistentemente pela reação do marido, ele ria sem saber de quê, os garçons (Conrado e Manoel) tentavam apaziguar uma briga fictícia, a mesa ao lado parou de discutir os desvarios do poder, Roberto Carlos teve a voz amordaçada no som ambiente de Luciano Meira, enfim, todas as atenções se voltaram pra este filho de Almenara, a destemperada Zefinha e o impávido Epaminondas.
- E então, seu filho da puta, você vai ou não vai reagir? Ou você quer que eu dê uma porrada nele e outra em você?
Nondas ficou sério, olhou bem dentro dos meus olhos e indagou, como se não soubesse de nada:
O que você disse?
Que nunca vou comer sua mulher!
E aí, Zefinha, qual é o problema?
Você não entendeu, seu imbecil? Ou você não sabe que esse Reginauro não é nenhum canibal...
A salada de palavrões só terminou na madrugada seguinte, no restaurante da rodoviária, após uma alegre suruba.

Capítulo 30
O dia em que me deitei com uma manguinha verde
Lucene – Muitos anos antes de eu existir, o escritor Miguel Bemfica disse que “mulher feia só dá alegria para cabeleireiro”. Tenho plena convicção de que na época de Bemfica não existia uma mulher tão feia e tão bonita como Lucene. Eu a conheci quando tinha 13 anos. Na aparência, você podia arriscar 23 ou 25, sem medo de errar. Toda enrugada, Capítulo 30 mais parecia um maracujá de gaveta. Seus olhos desciam pelas olheiras, como se estivessem sem dormir há duas semanas. As orelhas de abano se misturavam aos cabelos de pixaim. O nariz ia lá na esquina e voltava. A boca era de chalapa.
Pois foi por essa mulher que eu me apaixonei. De novo.
Meu amigo, a carência de Lucene era muito grande!
O problema – no meu caso, a solução – é que Capítulo 30 nunca fora amada por alguém. Então consumou-se aquela relação gostosa, em que eu procurava suprir todas as suas necessidades e ela muito mais às minhas. “Uma paixão arrebatadora”, como diria o vocalista de uma banda de pagode. Claro que a primeira vez em que nos deitamos foi um horror. Sem nenhuma experiência, Lucene ficou lá, olhando para as telhas, como se nada estivesse acontecendo. Tirou as roupas direitinho, pôs a calcinha em cima da saia, teve o cuidado de espetar o grampo de cabelo no rolo de papel higiênico, uma gracinha...
Na hora de trepar, entretanto, que decepção... Lucene mais parecia uma vaca mecânica. Isto, evidentemente, na minha imaginação, pois jamais transara com uma vaca mecânica.
Desfalecida, morta, esparramada na cama, as pernas branquinhas e descabeladamente abertas. Aquele trem! Eu bem que forcei a barra, tentei fazer com que Capítulo 30 entendesse a importância do amor, tateei delicadamente as suas partes, mas o máximo que consegui foi: “Aí não”.
Um “aí não” tão sem graça que não tinha nem exclamação. Aliás, que exclamação teria uma menina de 13 anos de Japonvar (Januária, São João da Ponte e Varzelândia) sem nenhuma passagem pela boate de Zé Coco? No máximo, uma interrogação. Chamei Hélia (a dona do bordel da Esplanada) de lado e disse que não haveria qualquer condição de prosseguir aquela encenação. Que ela arranjasse outro homem para a função, ainda que eu tivesse de retribuir sua boa vontade para comigo.
Nem foi preciso tanto. Hélia conversou reservadamente com Capítulo 30 que, algum tempo depois, estava toda de amores comigo. Tomamos uma Coca-Cola litro, nos beijamos na boca e construímos, naquela infinita parte do universo, uma amizade que perdura, sem os constrangimentos de então e com a consistência de duas pessoas que não pensam apenas em sexo para viver. Isto, no meu caso, que é o contemplativo. Ela, tenho certeza, continua naquela, pois foi assim que lhe ensinei.

Capítulo 31
Uma delícia com alguma coisinha torta
Thalia – Todo mundo na rádio ficava encabulado. Por que TBT? Este segredo foi mantido durante muito tempo. TBT pra lá, TBT pra cá... Thalia era uma moreninha linda, de arrasar quarteirão. E o diabo é que a diabinha trabalhava diretamente comigo. O diretor a colocou como responsável pela programação da emissora, o que hoje os americanos chamam de WJ e que, naquele início da década 80, era machistamente DJ.
De manhãzinha, lá chegava eu todo miudinho, mais para café do que para Repórter Esso, querendo saber o que acontecera na noite anterior. E lá vinham o
Laudívio, Eduardo, Leandro, Venceslau, Mauro, Vitório, Galdino, Amélia, Aldo, Eugênio, Dutra, toda essa turma dizer que não ocorrera absolutamente nada. O que fazer então, meu irmão, se o noticiário entraria no ar às 7 em ponto, logo após o programa sertanejo de Nivaldo? Inventar?
As notícias pipocavam na cidade na mesma voracidade com que as popas de TBT roçavam minhas querências, na desculpa de que estavam trazendo mais um bloco de comerciais. Eu olhava, analisava, mas não conseguia alisar a bundinha de TBT porque o dever profissional falava mais alto. Confesso que, hoje, me arrependo de não ter perdido o emprego. Ao mesmo tempo em que, voltando um pouco atrás, me alegro em vê-la tão bem constituída com sua família e seus filhinhos.
Pois que não. TBT virou uma febre na rádio e na vila. Todo mundo querendo saber o que era TBT e eu, como sempre, fazendo mistério. Seria assim, também, com TBS, uma sigla criada por Clá e que viria a fazer furor nas páginas do jornal, até ser revelava como Talento, Beleza e Sexo. Capítulo 31 entrou definitivamente na minha vida a partir do momento em que descobriu que TBT se referia a ela. Com aquela carinha de menina bem-criada, amanhecia todo dia em minha casa querendo um cafezinho e, mais que isso, tentando tirar de mim a tradução das três letrinhas mágicas. Aposto que, pela sua santa ingenuidade, até hoje Thalia não saiba o que vem a ser TBT.

Capítulo 32
Uma cortada a caminho da Catedral de Brasília
Narinha – Vai assim, no diminutivo, para não confundir com outras Naras, Márcias, Marcelas, Manuelas e Martas da vida. Narinha, meu Deus, continua no meu nariz até hoje. Que cheiro gostoso! Que vontade de bom-bom! Que delícia! Umberto Eco jamais conseguiria captar o cheiro que eu guardo de Capítulo 32. Ummmmhhhhhh... Narinha foi assim: chegou não se sabe de onde e entrou na vida da gente. A partir daí, passou a ser uma paixão grupal. Eduardo, Rai, Ró, Ricardo, Jerônimo, Setúbal, Celso, Jackson, Vitório, todo mundo passou a azarar Capítulo 32. Aonde quer que fosse, por onde quer que andasse, lá estava a troupe cercando aquela meiguice lindinha, jeitinho de filhinha de mamãe, boquinha de quero beijar, carinha de neném.
Eu sempre tive comigo que Narinha é uma boneca.
E uma filósofa.
Eu explico por quê. Um dia fui visitá-la em Brasília, em plena Aza Norte, aquela similaridade de prédios gêmeos entre passeios imensos e ruas assépticas. Capítulo 32, toda prosa – preparando-se para fazer a trilha de uma cerimônia de casamento na Catedral Nacional -, na maior candura, vira-se para mim e pede para esperar apenas 45 minutos, que os noivos são mais bobos do que eu. Lógico que não entendi. Quem entenderia Narinha a caminho de mais um recital? Minha única saída era pedir-lhe um beijo. Toma, cara sem-vergonha, que a resposta foi de bate-pronto: “O homem pensa enquanto Deus ri”.
Se você está achando que a relação terminou ali, está absolutamente correto.

Capítulo 33
Uma menina que nunca vai sair daqui
Iza – Não tão filósofa como Capítulo 32, mas igualmente majestosa e irradiante, Iza continua sendo uma das maiores paixões da minha vida. Ao selecionar 74, fiz questão de escolher realmente as mulheres que marcaram meu coração, e uma delas – que continua furando meu peito – é Capítulo 33. Não se trata apenas de uma gente que brilha,
mas de uma mulher que chega e aparece, independentemente de estar trajada com um blazer ou um tailler ou pisando uma sandália havaiana.
Estive com Iza em várias circunstâncias. E, em todas elas, Capítulo 33 sempre se portou com a dignidade característica de sua linhagem. Séria, compenetrada, sóbria em todas suas loucuras. Inclusive quando fazia parte do seleto grupo de bailarinas da New Sagitarius e ficava mostrando aqueles peitinhos durinhos em frente aos espelhos da pista.
Que mulher!
Que criatura!
Que gente fina!
- Você está amando a pessoa certa!, dizia eu para minha cabeça.
Tenho medo de destratar as demais personagens deste livro, mas Iza é inigualável. A doçura de sua primeira infância jamais sairá da mente de qualquer pessoa que a conheceu. A não ser que seja um débil. Sabe aquele jeitinho de criança mimada que há em todos nós? Capítulo 33 levava isto à loucura. Um verdadeiro bebê Johnson. E põe Johnson nisso!
Super inteligente, menina mais do que pra lá de estudiosa, acabou ultrapassando as da sua turma, deixando-as para trás. Em plena era da caretice, entendeu todas as mudanças do mundo, viajou planetas com sua vocação universal, encantou fronteiras e fez tudo que tinha vontade, inclusive endoidar-se em pistas de dancings e cabarés.
Para que fosse realmente um paraíso, o Brasil precisaria ter 1.580 Izas. Ou mais.
Por aí você já entendeu como sou apaixonado por Capítulo 33. Mas é pouco. Você teria que conhecer nosso relacionamento em encontros culturais, rodadas de samba, happy-hours, em shoppings-center, horas-dançantes, concursos de discoteca, passeios ecológicos, em viagens e viagens ou mesmo caindo, enlaçados e embaralhados, num tatame da Rua Presidente Vargas em que tentávamos aprender os fundamentos do caratê , judô e tai-kwon-do. Iza é a metade mais a metade de mim.
É por isto que está aqui.

Capítulo 34
Uma brejeira sedutora
Miréia – Capítulo 34 foi uma das mais espetaculares repórteres da Imprensa norte-mineira, infelizmente cooptada pelo MST. O jornalista Valdó tem muito mais propriedade (pelo menos tinha) para falar sobre Miréia, e certamente o fará algum dia.
Brejeira do Velho Chico, quase morena, sedutora (eta palavra que se casa com ela!), seios redondos de secar a água da boca, um bundão desse tamanho, Capítuoo 34 é um tesão. Bastava passar aqueles cabelos longos por sobre os ombros da gente e a vontade já vinha na hora. Aquela lingüinha solta, aquela jinga alagoana de falar, aquele olhar de galinha procurando minhoca, tudo em Capítulo 34 despertava a atenção da turma da redação.
Duvido que algum daqueles não tivera vontade de morder aquela mulher.
Ela era a verdadeira titulação.
Pois bem.
Surgiu no café da manhã, um dia, a notícia (não poderia ser em outro jornal?) de que Valdó ficara com a Miréia. E que arrebentara sua história virginal, que incluía calcinha rasgada no terceiro andar do prédio do jornal recém-construído e cabeçada de um homem do décimo, em frente, ao presenciar tal situação.
Que confusão!
Quando soube, fiquei indignado!
Logo ela, Miréia,, a quem eu confessara tanta devoção?
A vontade era de esganá-la!.
Fui direto para a direção:
Seu Patrão, isto não pode acontecer. A redação do jornal está virando uma mão-sem-jeito, uma putaria. O senhor precisa tomar uma providência!!! Acabei de saber que um repórter, ontem à noite, usou a clicheria para atos libidinosos. E que Capítulo 34 estava metida no meio...
Entreguei mesmo. Falei muito mais e mais e mais, que meu ódio era tremendo... E o diretor do jornal me olhando por sobre os óculos, ao mesmo tempo atento e fora de órbita, como se nada fosse verdade e tudo fosse um horror. Continuei pregando a moral pública, o respeito profissional, invocando os testemunhos de Tião Camurça, Original, Astronauta, Marcionílio e Andrezo, tudo para realçar minha revolta pelo fato de Valdó ter se deitado com uma mulher que não era dele. Na maior tranqüilidade, com aquele ar isso não me diz respeito, o Patrão virou-se para mim e perguntou:
Você sabe o que o Felipe acaba de fazer comigo?
E se levantou mostrando um prego grudado na bunda. Era a mesma brincadeira que já vitimara o Teo e o Manga Rosa ao se sentarem na mesma cadeira, mas que ganhava maior significado naquele momento solene em que a honra de Miréia estava em jogo.
Seu Patrão - disse eu - esse prego não quer dizer nada em comparação com o pé de mesa que Valdó enfiou na menina...
Com muito custo, acabei tomando Capítulo 34 de Valdó. E como!

Capítulo 35
Óculos também são feitos de vidro
Heleninha – Este capítulo vai ser bem curtinho – talvez, uns 3.210 caracteres – para não comprometer as mulheres casadas que me conhecem. A vida já é difícil e a mulher sendo casada e compro-metida, tenha nó, né meu irmão! Certamente este é o capítulo em que eu não posso dizer, diretamente, quem é a mulher envolvida, ao contrário dos capítulos anteriores. Não porque eu tenha medo de citar, abertamente, o nome de Capítulo 35, mas porque o marido dela é um manejador de faca que Deus nos acuda. Um açougueiro.
Estávamos em plena campanha política. Todo mundo preocupado com a performance do candidato, com a cabala de votos na zona rural e nos municípios vizinhos, com as reuniões comunitárias, enfim, essas coisas próprias da conquista do eleitorado. Uma atribulação que não tinha fim, entrava noite e saía dia, cola papel ali, tira propaganda do ar, silca a camisa acolá, busca Fulano no carro de som, põe plaqueta na carroça, aumenta a vinheta no rádio, colore a foto no jornal, solta mais um voador na cidade, doe um milheiro de tijolos na favela, aumente a turma do fuxico nos ônibus, arrume mais um eslogan pra reta final, plante uma nota na coluna social...
Ufa!
E eu ali, agüentando tudo aquilo e ainda tendo que encarar as reuniões das associações da periferia. Pois foi exatamente ao cabo (?!) de um desses encontros que acabei me encontrando com Heleninha. Conversa vai, conversa vem, um monte de brita ali, um milheiro de tijolos acolá, acabamos cobrindo a associação. E nos cobrindo mutuamente. Que felicidade! Capítulo 35 é uma mulher séria, óculos em cima do nariz, que olha pra gente como se fosse a rainha da cocada preta, a dona do universo. Heleninha a tudo espreita e exige respeito. Se você cuspir fora do penico, ela manda colocar o cuspe de volta. “Jogar pedaço de papel na rua por que se existe um cesto aqui debaixo do seu nariz?”, é como se dissesse.
Uma autêntica e refinada madame, talvez mais compenetrada do que a emergente carioca Vera Loyola.
Pois que sim!
Assentado na sala de Capítulo 35 para acertar um compromisso de campanha, senti que ela estava um pouco carente. E este é meu mal. Detesto ver mulher carente. Encar(ent)ei Heleninha bem de frente, mirei dentro dos seus olhos oculados e arrisquei:
Sua filha já foi pra escola?
A menina acabara de sair e eu tinha percebido entre as brechas do móvel da cozinha. Mas tinha que ter um argumento, um pretexto, sei lá. Antes mesmo que Heleninha respondesse, eu já pulava na sua jugular e dava aquele beijão da roça que toda mulher gosta de receber de uma cobra. Foi um sucesso! Assustada, encabulada, tímida, Capítulo 35 não vacilou quando a convidei, naquela tarde amena para irmos ao motel, talvez o primeiro motel de sua vida. Jamais o último.
Embriagamo-nus em horas inesquecíveis de sexo, dando uma banana para o amor, que este ficara em casa. É impressionante minha coragem de dizer, agora, que não entendi – até hoje – como uma mulher balzaqueana, casada há tanto tempo, nunca tivera o prazer de se entregar a um homem. Confesso que, naquele momento, tive vergonha de Heleninha. O que não me impede de dizer que chorei profundamente por fazê-la feliz. E me sentir assim até hoje.

Capítulo 36
Uma fazendeirinha altamente fiel
Lana - Minha ligação com o campo é muito profunda. Acho, até, que sou uma raiz. Do ponto de vista sexual sempre tive muita afinidade com as coisas da zona. rural. Aos 6 anos, minha mãe me deu uma surra, com palmatória, por me flagrar atrás de uma galinha, o que certamente não faria hoje. Ela não me bate mais. Foi essa vontade imensa de manter meus pés sobre a terra, como me recomenda Pomba Gira (em contraponto à sina aquática de Iemanjá), que me colocou em contato com Lana. Uma loura enxuta como uma mandioca nova. Toda cascudinha, branca por dentro e moreninha por fora, fácil de descascar, redondinha e sequinha. Sempre que vou ao sacolão sinto saudade de Capítulo 36. E ela sabe disso. Que sorrisinho mais gostoso!
Não que seja chata, não que seja asquerosa., não que seja inconveniente, mas Lana é a verdadeira encarnação de uma santa. Toda metidinha, cheia de dengos, querendo sempre mais, odiando os pecados da vida – como beber, fumar e blasfemar -, Capítulo 36 é minha antítese. Mas gosto apaixonadamente dela. Adoro aquele seu jeito de chegar delicadinha, tirando uma poeirinha aqui, limpando a bundinha acolá, querendo saber se a água mineral está gelada, virando a carinha de lado.
Isto, quando se encontra na cidade. Porque, na roça, sai de baixo. Capítulo 36 vira o cão. Salta carrapicho, pula cansanção, encara coivara, pega mocó em grupiara e corre com morcego de gruta abandonada. Eu já vi – com esses olhos míopes porém sérios – Lana trepar nua num cavalo pelado e sair em galope para só voltar no dia seguinte.
Herdeira de um patrimônio respeitável, Capítulo 36 cavalga nas melhores redes do Brasil, fazendo inveja a muitos internautas e detonando nas bolsas de valores. Amo-a não pela fortuna, não pelas fazendas deixadas pelos avós, não pela competência, pela garra e pelo dinamismo com que conduz seus negócios latifundiários. Amo Lana, sobretudo, pelo seu alto grau de fidelidade. Que sempre divide comigo..

Capítulo 37
Para não estragar este momento lindo
Leide – Arthur Shopenhauer dizia que “o único homem que não pode viver sem mulheres é o ginecologista”. Eu também não. Está aí Capítulo 37, que não me deixa mentir.
Não quero estragar nossa relação recente – tem apenas seis semanas – expondo-a ao lado das outras. Prefiro preservá-la na doçura de Poços de Caldas e suas águas sulfurosas. Mas, se ela concordar, vou ficar uma temporada no Grande Hotel escrevendo um livro exclusivamente sobre Leide. Ela merece.
E eu também.

Capítulo 38
Os cabelos do sucesso da cidade dentro dos meus lábios
A Fada – Os maliciosos levavam para outro lado, mas o fato é que sempre a considerei como uma fada. Só que, ao citá-la publicamente, usava o arcaico tratamento de Sá. Tipo Sá Rumana, Sá Joana, Sá Luiza, Sá Bonifaça e outros personagens do roteiro cinematográfico “Leocádia, a verdade e o mito”. Sempre que publicava Sá Fada em meus rabiscos, lá vinha Adenílson dizer que se tratava de um achincalhe. Pura mentira!
Para se ter idéia da pureza de nossa alma, conheci Sá Fada no esplendor dos seus 17 anos, quando se preparava para desfilar pela primeira vez na passarela do Automóvel Clube. Toda empetecada, paetês praqui, lantejoulas prali. Antes que a cantada se iniciasse, pedi ao JR que fosse comprar meia dúzia de cervejas para nós. O que ele cobraria depois: “Pô, Regin (ele prefere este diminutivo de família), você vem pra mim casa, fica com a mulher que eu amo e ainda me manda comprar cerveja, com meu dinheiro?”
Enquanto o JR não voltava, propus à Fada, do alto do meu discurso antiburguês-vote-no-26, que ela participasse do desfile, sim, mas, em vez do padrão estabelecido, usasse uma calça jeans desbotada e uma camiseta estampada, sinônimos de liberdade. Não é que a menina topou?
O organizador da festa tomou um susto quando anunciou a princesa da cidade e viu Capítulo 38 adentrar a passarela com os peitinhos praticamente de fora. A Fada estava simplesmente sensacional. E puxou para si toda a atenção da festa. Tanto que o caudaloso júri não teve dúvidas em proclamá-la vencedora, para desespero das mães que pagaram um absurdo para colocar as mais caras grifes na passarela, achando que suas filhas iriam arrasar. Coitadas!
Sá Fada ficou tão grata que nem vou contar o resto. Aliás, conto sim. Saímos do clube e fomos para sua casa. A esta altura, todos da família já sabiam da minha preleção prévia e da decisiva influência no resultado final, pois criatividade não se empresta, dá-se.
Após dois litros de champanhe, Capítulo 38 concordou em ficar sozinha comigo, bem ali no alpendre. Ajoelhei-me sobre a calça jeans vitoriosa, o maior charme do pedaço, abri o fecho (então, nós falávamos fecle-eclair), separei as duas abas e vi estampar-se sobre meus olhos gulosos aquela lindeza de penugem preta, bem preta, em forma de triângulo. Perguntei com os olhos se ela consentia e Sá Fada assentiu. Desci – penosamente – estes dois lábios carnosos sobre aquela gostosura e nunca mais saí dali.
Acho que morri.

Capítulo 39
A menina que me ensinou a beijar
Doda – Sabe aquela pessoa que aparece na sua vida e dela não sai mais? Assim é Doda. Conheci-a desde pequenina e a adoro (ou adoto) até hoje. É uma formosura de pessoa, como são todas as 74 mulheres deste livro. Doda nunca levantou a voz contra mim, nunca disse não, sempre esteve de acordo com meus caprichos. Uma figura que seria amada por qualquer outro, independente de raça, cor ou nacionalidade.
Isto não quer dizer que Doda fosse submissa, pois, em determinados instantes do nosso relacionamento, ela engrossava as sobrancelhas, frangia as bochechas e perguntava o que é que eu estava pensando. Medroso, eu sempre respondia com um beijo, o que a amolecia por completo. Mas fosse outra pessoa, que não conhecesse Doda, a porrada era na certa. Tenho notícia de outras passagens.
Doda era presença obrigatória de meu escritório. Não como cliente que, graças a Deus, Capítulo 39 nunca teve problemas com a justiça. Ia por amizade, por necessidade de conversar, para estar ali. Ficava horas e horas de papo com Iara, Jô, Pascoal, Tico, Gílson, Zezinho e Tone. Todos amigos, todos encantados com a simplicidade de uma menina culta, apaixonada por gente e pelas notícias de Espinosa, a terra santa de Lindenberg e de Seo Zé do Espigão. (Um detalhe que me chama a atenção em Doda são os espessos cabelos do seu bigode, mas isto é apenas uma avaliação preconceituosa e porco-chauvinista, que nada tem a ver com esta narrativa romântica).
Capítulo 39 sempre foi – e é – muito feminina. Uma docilidade em pessoa. Por incrível que pareça, foi Doda que me ensinou a beijar, quando eu já chegava à casa dos 34 anos. Depois da primeira tentativa, chegou-se para mim e disse: “Você não sabe beijar... Eu vou lhe ensinar”. E como ensinou! A partir daquele dia, nunca mais perdi uma parada. Sinceramente, eu acho que o mal de Doda foi esse.

Capítulo 40
Um passarinho solto no santuário da beleza
Silvina – Para todos os companheiros, era uma mulher de programa, uma fulaninha, que ficava trocando sexo por dinheiro no viaduto da Cristiano Machado. Para mim, Silvina sempre foi uma dama de respeito. Jamais a destratei, nunca a desrespeitei, Silvina – para mim – era uma santa. Era não, é! Na festa de meu aniversário, tive o primeiro contato com Silvina, através da amiga comum Célia. No alto do quinto andar, de lado para a Praça Raul Soares, em praticamente alguns minutos fiquei sabendo tudo sobre a vida de Capítulo 40.
Rapaz, uma filha para criar, um marido sabe lá vivendo onde em São Paulo, um pai dando trabalho no Pinel, uma mãe alcoólatra, o que é que uma mulher de 22 anos tem que fazer? Heim?
Acolhi Silvina como qualquer pessoa acolheria um menino navegando num balaio.
Para os outros, não era nada. Para mim, era uma pessoa. Uma pessoa boa.
Ensinei-lhe normas de etiqueta à Nara Leão, dei-lhe as primeiras noções de cozinha, encaminhei-a à escola.
Todo mundo quebrou a cara quando Silvina reapareceu toda rosada, gordinha, olhos mais verdes do que a vegetação ambiente, querendo saber se o Cruzeiro ganhara do Coríntians na final do Brasileirão. Quer dizer, uma moça entronada, inserida no contexto, expert em futebol, perfeitamente normal. E, ao mesmo tempo, uma decepção para aqueles rapazes que nada entendiam de sociologia.
Fiquei em êxtase.
Se eu fosse uma pessoa má, logicamente levaria Silvina para casa. Aquele negócio de “O que qui há?/Vem pra cá, o que qui tem?/Eu não estou fazendo nada,/Você também./Faz mal fazer amor assim gostoso com alguém?”
Mas não.
Silvina merecia mais respeito do que sugeria uma música chula da Jovem Guarda. E, no caso, eu era mais guarda do que jovem. Assumi minha dignidade e a levei de volta à Lidô. Onde a reencontro até hoje.

Capitulo 41
Quando a ignorância arrasa a vida da gente
Guga – Seria um pecado inominável, como dizem os jurisconsultos, se este livro não tivesse este nome. Guga, na verdade, foi minha paixão juvenil, eternamente escondida. Minha timidez não permitia – para você ter idéia – que eu passasse em frente à sua casa carregando um embrulho. Que fazia o caipira, então? Colocava a pasta Kolynos dentro do calção e saía correndo e assobiando, para que a musa dos sonhos não me flagrasse num flash de office-boy de dona Yara, que era a mulher de dr. Hélio, o médico mais requisitado da esquerda. O da direita era dr. Colimério.
Se isto acontecesse, que vergonha! Perdia a pretensa namorada...
Na medida em que os anos foram se passando, movido pelo bom desempenho nos boletins escolares, consegui aproximar-me de Capítulo 41 sem aquela humilhação de antanho. Já não escondia os dentes cariados para falar com ela frente a frente. Já não tinha aquela imagem boba de que menina rica e bonita não fazia cocô. Cheguei a sonhar com Guguinha assentada sobre a latrina, jogando para baixo a mesma massa descomposta com que eu atraía centenas de moscas entre as bananeiras lá do quintal, cercado de porcos e galinhas.
As bananeiras, diga-se, eram usadas para nossas descargas espermáticas, pois não existe textura vegetal mais saborosa do que o caule das ditas-cujas. E era ali que, diariamente três vezes por dia, eu possuía a Guguinha. Até sentir o impacto do primeiro beijo nos lábios. A partir dali, os concursos que fazíamos para ver quem espirrava mais longe deram lugar à disputa de quem descobriria primeiro a cor da calcinha da namorada. Não foram poucas as vezes em que trepamos árvores e telhados vizinhos em busca da novidade. Numa delas, caí de um pé de mamão-macho e estropiei o dedão; em outra, fui mais infeliz e lasquei a sola do pé direito em toda sua extensão, formando uma cicatriz que pode ser vista até hoje. Com risco de tétano e tudo, dona Laura curou o rachão imenso e profundo com borra de café.
Ainda acamado, iniciei um namoro sério com Capítulo 41. Duas semanas depois, joguei a toalha a abandonei o ringue. Estávamos assentados no murinho do alpendre. De supetão, enfiei a mão por sob a saia de Capítulo 41, o que seria a glória das glórias. Ela, lívida, impávida, colossal, como se nada estivesse acontecendo, com medo de dar escândalo e assustar pais e irmãos que tomavam café na sala de visitas. E minha mão indo, indo, avançando, avançando. Até deparar com uma gosma gelatinosa que ensopou os dedos, menos o indicador. Seria sangue de menstruação? Espasmo vaginal? Cultura bacteriana, já que, para a medicina, bactéria também é cultura? Nunca mais quis saber de Guga. Com nojo, Desapareci de vez de sua vida.
Esse mistério jamais vai sair da minha cabeça.
O que nunca vai deixar me esquecer de Capítulo 41, a mulher que eu tive e não tive, por pura ignorância.

Capítulo 42
A nostalgia de uma febre chamada Malleta
Cula – Magalhães era um filho da mãe. De tanto dar piada na amizade entre este desnaturado e a eterna candidata à beatificação Cula, acabou gerando um romance entre o bem e o mal. Nós vivíamos os áureos tempos da Praça da Liberdade com sua Feirinha de Artes, às quintas e aos domingos, e a feira de comidas típicas aos sábados. Não havia nada mais gostoso em Belo Horizonte. Nem no resto do Brasil. Um mundo de gringos querendo comprar peças de artesanato, rendas do Ceará, doces e queijos do Sul de Minas, e brinquedos de pau ou do Paraguai e os camelôs gritando a toda altura que a pechincha era ali.
Uma festa!
Às quintas, sábados e domingos, o planeta terra se juntava na Praça da Liberdade.
Às sextas, o movimento era menor, mas ainda dava para trombar com ingleses, americanos, franceses, noruegueses, argentinos e juiz-foranos entre os apreciadores de artes plásticas e os colecionadores de selos e de moedas. Eu me divertia chamando-os de numismatas e filatélicos.
Como era doce minha Belô!
Cula trabalhava no prédio recém-restaurado da Secretaria de Educação, bem em frente às barracas de gordura que torturavam o verde puro do jardim. Religiosamente, toda quinta, às 5 da tarde, após um acarajé e uma cocada, saíamos – religiosamente - para seu apartamento do edifício Maletta, bem ali na Rua da Bahia com Augusto de Lima. Era só descer a João Pinheiro e pegar a Álvares Cabral. Não precisava nem de táxi.
E lá íamos nós - festejando o fim dos anos 70, o início dos anos 80, cuspindo a ditadura por todos os poros, com todas as malícias e contra todas as milícias e os patetas de plantão – lá íamos pegar um macarrão ao óleo e alho na Cantina do Lucas, um chopp geladinho no Pelicano e sermos chamados de comunistas pelos espiões do Sagarana. Sorte nossa é que Seo Olímpio, garçom já pra lá dos 70, conhecia a Cula e sempre arranjava uma mesa para nós. Era muita gente. Só de cadeira cativa, podíamos citar Tonindo do Sindicato, Aloísio, Américo, Fazito, Manoel, Maura, Fátima, Ronaldo, Romero, Beatriz, Nicolau.
O apartamento de Capítulo 42 era um dos mais bem decorados do Maletta, motivo pelo qual até hoje não entendi por que fora palco de dois suicídios. Nossos relacionamentos ocorriam ali mesmo, na sala de visitas, entre uma e outra cerveja em lata, que era o chique da época. Champanhe, mesmo, acho que só houve em uma ocasião.
Acho Capítulo 42 virou anjo.

Capítulo 43
O dia em que penduramos um urinol na estátua
Martina – Esta menina-moça entrou na história pela porta da sabedoria. Explicando melhor: um grupo de malucos cismou que era poeta e começou a se comportar como as cabeças pensantes da cidade. Tudo entrando nos 20, que esta é a faixa etária dos grandes acontecimentos. Reuníamos todas às terças-feiras, na casa de um ou de outro. Verdadeiros saraus, sem a pérgula das piscinas nem o chá da ABL, mas com suco de limão, bolachinhas e muitos versos para poetar. Peré, Eduardo, Tadeu, Tanda, Goreti, Celso, Rubínger, Valquíria, Clarice, Sueli, Djalmir, Júnior, Márcia, Maristela, dona Kuka, Tanda, estava sempre todo mundo lá, muito bem comportadinhos,
cada um lendo o seu poema e a platéia pedindo bis e batendo palmas. É, porque para os egocêntricos integrantes do grupo Catibum, todo mundo era intelectual, sabia tudo das letras, das artes e da cultura, ninguém era besta. No que um burro falava, os outros murchavam as orelhas. Pura falsidade. Ou seria hipocrisia?
Martina era a secretária e fazia cada ata tão meticulosa que se alguém duvidasse dava problema pro resto da semana. Poesia mesmo, conto ou crônica, Capítulo 43 não obrava. Mas era de uma competência para redigir as decisões das reuniões que justificava, com mérito, sua presença entre os intelectos, bem como o garlardão de catibumense. Catibum era, onomatopaicamente falando, o barulho provocado por um pedra atirada num riacho. Chès de loque.
Uma noite, encerrada a sessão, fui levar Capítulo 43 em casa. Perto da Cooperativa, juntei-a pelos ombros e lasquei-lhe um beijo na boca. Tremendo de susto e de ódio, Martina quase destrói meus miolos, reação que foi diminuindo até entrar em gargalhadas profundas, dando a entender que o mundo não havia acabado. Tanto melhor para o folclore da cidade, pois, quarteirões adiante, talvez até mesmo para desfazer a ousadia de antes, sugeri a Capítulo 43 que colocássemos um penico na mão da estátua mais famosa a cidade, a do ex-ministro Francisco Sá. Uma brincadeira que nada tinha a ver com o vandalismo provocado pelos pivetes de hoje.
Na reunião seguinte, a sugestão foi acatada por unanimidade, tudo dentro da mais perfeita estratégia, que incluía a distração provocada nos policiais da área pelas meninas bonitinhas do Catibum, enquanto os ganchudos se encarregavam de pendurar o troféu na mão estendida do histórico homenageado.
Até hoje o povo anda querendo saber quem fez aquela malvadeza, longe de desconfiar de que se tratava da arte traquina dos meninos letrados de então. Curiosamente, o Catibum foi destruído pela Globo,
que caiu na besteira de fazer uma reportagem sobre aquele grupo do interior de Minas que queria revolucionar a cultura nacional... A matéria fez tanto estrago que, a partir de sua exibição no jornal Hoje, todo mundo passou a ser estrela. O que bastou para que aquelas pedrinhas falantes caíssem no abismo da vaidade, provocando o mesmo barulho imaginado na criação: Catibum!!!
Martina só muito de vez em quando dá notícia.
Por isso, não sei se Capítulo 42 ainda pratica o exercício aprendido – penosamente – com os demais membros do Catibum: quando o presidente mija, todo mundo mija...
Será que ainda faz de pé?

Capítulo 44
Há dias em o cardápio tem que variar
Sônia - Sabe quando você chega à conclusão de que é preciso mudar o cardápio e parar de comer apenas feijão-com-arroz? Aconteceu comigo. Estava enfastiado de todo dia estar com uma mesma fulana e na segunda-feira amanhecer empanzinado.
Foi mais ou menos nesse período que coordenava uma equipe de apuradores da Rede Globo. Era a turma encarregada de dar os resultados das eleições antes do TRE, tudo na base do lápis e da prancheta, sem computadores, fax nem as urnas eletrônicas de agora. Era super-bem ficar com aquele colar pendurado no pescoço e sustentando a caneta da rede Globo com tampa redonda como a logomarca, correndo de um lado para outro, em busca dos últimos números das mesas escrutinadores. E, durante todo o dia, passar os resultados pelo telefone.
Um trabalho estafante para quem se responsabilizava pela cobertura de 52 municípios, mas que tinha suas vantagens. Uma delas eram os treinamentos que se realizavam na capital. Três dias por conta de dr. Roberto, nos melhores hotéis, com a certeza de que voltaria com mais algum no bolso. Um amigo de Teófilo Otoni, o Jackson, louco por novidades, acabou ficando no mesmo andar, apartamento 701. Eu ficara no 707, onde se hospedara na véspera o RPM.
Naquela noite, para provar ao Jackson que os anúncios de massagem nos jornais eram verdadeiros, abri o Estado de Minas e convidei uma donzela pelo telefone. O rapaz de T. Otoni (como aparece nos letreiros dos ônibus de lá) quase ficou louco quando aquela loiraça saiu do elevador, após identificar-se na portaria do Othon, e veio me ter. Ele não parava um minuto, correndo de um apartamento ao outro, com mil e uma desculpas. E eu lá, folgadão, fumando meu Minister e bebendo Capítulo 44. Mas, aí, o rapaz sumiu.
Jackson só veio dar notícia por volta das 3 horas, pelo interfone. Insistia para que eu fosse ao seu apartamento, enquanto Sônia roncava, naturalmente arrebentada pela tarefa. Fui lá. E quase morri de susto ao ver duas gatas mergulhadas na banheira do apartamento, rindo das trapalhadas do caipira da capital das pedras semi-preciosas. O outro, é claro. Misturamo-nos no ato, tornando a madrugada ainda mais agradável, principalmente depois que Sônia veio se juntar a nós. Duro mesmo foi o acerto no fim do treinamento, pois não sabíamos que o hotel cobrava 50% de acréscimo pela utilização extra. Apenas o principal corria por conta da Globo.
Jackson se entusiasmou tanto com a idéia, que patrocinou três viagens para o grupo a Teófilo Otoni, inclusive com direito às despesas do Restaurante do Rei. As margens do Rio Todos os Santos são testemunhas das farras que fizemos com aqueles tesouros de Belô. Cujos números dos telefones continuam em minha agenda para eventuais recaídas.
Quem sabe um dia não me enfastiarei dessas mulheres do 0900?

Capítulo 45 e Capítulo 46
A pintinha das gêmeas me levou ao paraíso
Luciana e Fabiana – Estes capítulos têm que caber em um, pois, devido à indivisibilidade das personagens, é impossível separá-los. Fabiana e Luciana são irmãs gêmeas univitelinas. Cara de uma, focinho da outra, como diziam os daquela época. O interessante é que tinham dois irmãos também univitelinos, Cosme e Damião. O mais novo, Pedro, não tivera a mesma sorte e veio sozinho ao mundo de seu Otávio e dona Mazinha.
Foi através de Pedro, colega de escola, que tive acesso à família e me encantei, de cara, com aquela dupla de espelhos, que aprenderam com a mãe a reforçar as semelhanças, através das roupas, dos sapatos e dos penteados sempre iguais. Nenhuma usava um adereço diferente do da outra. Aliás, dona Mazinha tinha esse cuidado toda vez que adquiria peça coisa para as duas: tinha que ser tudo aos pares.
Fiquei sabendo disso ao visitar a casa da família, que viera recentemente do interior do município e se instalara na periferia longínqua da cidade de 40 mil habitantes e lata d’água na cabeça. Seu Otávio alugara uma casa com um cômodo de venda, onde instalou uma bitaca que tinha um mundo de miudezas, pinga da boa e lingüiça Maria Rosa, farinha urinol, caçarola, arroz e feijão mantidos em caixotes. Em pouco tempo, me afeiçoei tanto à família que me apaixonei até pelo gato angorá, branquinho, branquinho,
que dormia o dia inteiro sobre o balcão, ao lado de um monte de rapaduras. O rolo de fumo ficava na outra ponta do balcão.
Mas o que me impressionava, mesmo, era aquela duplicidade de belas moiçolas a caminho da maturidade. Corpos esguios, ancas proeminentes, cinturas finas, até suas vozes eram a mesma. Os bicos dos peitinhos rijos espetavam blusas com as mesmas medidas e sempre bem passadinhas. Pelas costas, então, era ainda mais difícil distinguir Capítulo 45 de Capítulo 46, pois os cabelos lisos e castanhos desciam até a baixura das bundas. Impliquei comigo mesmo, no entanto, que teria de haver algo que as diferisse. E passei a pesquisá-las minuciosamente ainda por sobre as roupas.
Abraçava uma, beijava a outra, sempre respeitosamente, pois os da casa estavam por perto, à exceção das horas-dançantes, às quais só o Pedro nos acompanhava. Cosme e Damião preferiam ajudar o pai na venda ou ir à caça de namoradas na pracinha do bairro. Eram diárias as horas-dançantes, pois a televisão ainda era um utensílio, em preto e branco, de acesso restrito às residências dos mais abastados. Na casa de Seu Otávio, a diversão era um rádio a válvulas desse tamanho, que demorava meia hora para esquentar.
Pedro se divertia com a brincadeira que as duas criaram para me confundir ainda mais: tinha que identificá-las entre os convivas e penetras, chamar uma das duas para dançar e, encerrada a música, dizer com quem eu dançara. Nunca acertava e as duas riam pra valer. Até que, num desses mistérios da vida, flagrei uma pinta minúscula abaixo da orelha direita de Fabiana. Acho que nem Capítulo 46 sabia disso, pois a pintinha era pintinha mesmo, que só poderia ser vista com uma lupa ou com os olhos de um guloso pé-de-valsa do tempo em que se dançava agarradinho, com o queixo sobre o ombro da ninfeta, de preferência ao som de Colcha de Retalhos, do Raul Torres.
Com isso, nunca mais fui enganado, já que tinha plena consciência de que estava namorando as duas e não apenas uma. Saía Capítulo 46, corria atrás de Capítulo 45. Quando Capítulo 46 chegava, eu fingia que estava com ala e a traição ficava por isso mesmo. Fabiana e Luciana poderiam perder tudo naquele jogo, menos o gosto e o riso de me tornarem ridículo, bobão.
A relação tripartite avançou até o dia em que, malandramente, disse-lhes que, se uma delas ficasse nua, eu romperia o segredo das gêmeas, pois meus bichinhos me disseram, em sonho, que não era possível à natureza fazer uma simbiose 100% perfeita. E continuei: claro, nem pensar em contato físico. Seria apenas uma inspeção visual à distância. Elas sabiam do meu respeito pela família. Jamais cometeria uma ousadia ou me aproveitaria de suas intimidades. Que em nada seria afetada nossa amizade etc etc etc... Enrubescidas e ao mesmo tempo curiosas em se mostrarem em pelo, pela primeira vez, a um projeto de homem, Capítulo 45 e Capítulo 46 balançaram tanto a cabeça – negativamente - que eu já começava a perder a paciência. Foi aí que veio o lampejo divino, outra vez os bichinhos: se perdesse a aposta, eu pagaria uma semana de cinema para as duas. Fabiana e Luciana deram um grito e pularam de alegria. Era o que faltava para convencer quem sequer passava em frente ao Cine São Luís, com vergonha daquelas moças metidas a besta que esnobavam a riqueza de seus pais. As chamadas bem-nascidas.
No quartinho dos fundos, eu mordia a língua, comprimia as unhas contra as palmas das mãos, rezava baixinho e sentia uma fogueira crescer dentro de mim à medida que Capítulo 45, a sem-pinta, ia tirando a roupa. Mas me contive, confesso. Morrendo de prazer por dentro de mim, diante daquela escultura despida, trêmula, louca para pegar o vestidinho de volta, balbuciei:
- Fabiana!
Elas quase desmaiaram de tanto rir. E eu quase gozei nas calças, pelo êxito da operação. Perdi a aposta, paguei duas semanas de cinema e ganhei duas colmeias para os estonteantes anos seguintes. Lambuzava-me de mel às vezes com Capítulo 45, outras vezes com Capítulo 46, tudo de forma consensual. Para a platéia, eu estava sempre com a mesma. Para elas, não havia orgulho ferido.
Pelo menos em público.

Capítulo 47
Uma candidata a nada que recebeu quase todos os meus votos
Luci – Comitê eleitoral, como já dissera a respeito de Capítulo 35, é aquela bagunça que você conhece. Um entra-e-sai que não tem fim. Um labirinto de interesses e vaidades que por onde desfilam o puxassaquismo e à falsidade ideológico-partidária. E eu ali, no meio daquela porralouquice, atendendo desde o cabo eleitoral ao presidente da associação de bairro, deste um chefe de gangue a uma jovem meretriz. Tudo na mais requintada educação, para não ferir susceptibilidades. Na mais perfeita desordem.
Pouco? Pois tome lá: colador de cartaz para pagar, lata de cal para levar para a zona rural, muro para pintar, autorização de combustível para despachar, panfleteiros para levar ao bairro Xis, decoradoras de comício para hastear bandeirolas na praça Zê, carros de som para intensificar o oba-oba, textos-foguete para as rádios, releases para os jornais, briefigns para o candidato sobre o noticiário da TV, costuras com os vereadores da oposição, acertos com a turma do fuxico, impressão de filipetas para o grupo de jovens, doação de material de construção para a paróquia, dentadura para dona Nazinha, ferradura para Seo João, telha para Sicrana, conta de luz para Beltrana.
Um pandemônio!
Não existe máquina de fazer loucos pior do que comitê eleitoral. Nem mesmo a televisão.
Foi nesse ambiente dantesco que conheci Luci, ou melhor, Capítulo 47. Será que consigo descrevê-la depois de tanto tempo? Vamos ver. Pele alvinha, olhos verdes, esguia, cabelos louros longos, lisos e sempre bem penteados, pernas à mostra, vontade de criança, desejo de mulher. Luci estava sempre bem disposta, aquele sorrisão estampado no rostinho de pom-pom, uma capacidade insuperável de falar. Não fechava a boca para nada. A não ser quando se dedicava a práticas clintonianas, que isto Capítulo 47 sabia fazer como ninguém. E sem exigir indenização. Luci se comprazia com o gozo do homem com quem estava, o que eu achava muito bom.
Toda vez que passo pela Rua General Carneiro me lembro de Luci e das eleições majoritárias.
Urna como aquela nunca mais recebeu os meus votos de devoto.

Capítulo 48
Ela só queria provar minha masculinidade
Santinha – Capítulo 48 é uma católica que acabou se evangelizando, virou crente, no popular. Uma magrela esbelta, cabelos grandes e pretos, que anda religiosamente vestida com aquelas roupas que vão até os pés e não deixam nada à mostra, nem uma nesga da coxa. A exemplo das irmãs de caridade: todo mundo sabe que tem seios, mas ninguém vê. Bíblia debaixo do braço, ar sério e distante, nada estampado que lembre sexo ou libidinagem do passado. Santinha é o protótipo da moça casta, ideal para uma união firme e duradoura. Hoje; porque, ontem...
O desfecho da primeira conversa nos levou a uma convivência de meses e meses de interrelacionamento e nos mantém juntos até hoje, apesar de seus inúmeros compromissos evangélicos. Afinal, Capítulo 48 foi sagrada a primeira pastora de uma das igrejas mais conservadoras do mundo. O que não é pouco para uma devassa enrustida.
Pois bem, vamos ao primeiro contato oral. Santinha chegou-se para mim, ar angelical, tremendo feito vara verde ou tirador de espírito e perguntou se poderia atendê-la fora do ambiente de trabalho. Confesso que me deixou um pouco desajeitado, mas, mesmo assim, combinei encontrá-la às 6 e meia, na cripta da Catedral.
Quando cheguei, uns 15 minutos atrasado, Capítulo 48 estava lá, próxima ao púlpito, mãos postas, orando de olhos fechados. Fiquei na primeira fileira dos que entram, aguardando o fim de seu ofício. Enquanto isso, fiz um mea-culpa das coisas ruins que tinha cometido (apenas as gravíssimas), tentei ser mais fiel do que cafajeste, rezei três pais-nossos e duas ave-marias, mas não conseguia completar o credo de jeito algum.
Santinha olhou para trás e, acho, impressionou-se com a devoção com que eu me expressava de joelhos. Sorriu no canto esquerdo da boca e prosseguiu sua inaldível preleção com o infinito. Terminado o cochicho, veio ao meu encontro com a mesma cerimônia da manhã. Saímos cabisbaixos, olhos para o chão, até que ela tomasse a iniciativa do diálogo:
Olha aqui, o pessoal lá da rua anda falando que você sai com toda mulher. Pois eu quero saber, agora, o que é que você tem de diferente. Se realmente é verdade o que as meninas do bairro andam dizendo...
Fiquei momentaneamente embaraçado, mas consegui recompor-me sem transparecer qualquer sinal de insegurança. Respondi para Capítulo 48 que não havia nada daquilo, que tudo não passava de intriga das mulheres pelas quais eu não tinha nenhum interesse, que me considerava tão puro como todos os homens do bairro e que não adiantava ela pedir a prova, porque homem que é homem não aceita esse tipo de desafio.
É tudo questão de palavras, disse-lhe. É que uns homens usam trema e outros
não. Pode ficar tranqüila e, por favor, não confunda lingüiça com linguiça.
Confusa ante meu argumento (acho que não entendeu nada), Santinha pediu desculpas, embora insistindo em querer conhecer minha comentada sexualidade. Ou sensualidade, como dizia pudurosamente. Não cedi. Continuei negando qualquer tipo de vantagem do homem sobre a mulher (principalmente sobre), invoquei meu personagem de cordeirinho e, num estalo de braveza, pedi-lhe que respeitasse o ser humano que há em mim e parasse de me comparar a uma galinha, pois meu pinto não fora achado no lixo, para sair por aí comendo qualquer bostinha....
A menina entrou em parafuso. Chegou exatamente ao ponto em que eu queria. Foi então que, mirando-a de soslaio, como quem não quer nada, soltei uma frase lapidar:
- Vamos dar uma trepadinha?

Capítulo 49
Quando o amor cósmico pintou na minha vida
Jéssica – Relações perigosas. De tão interessante, essa construção acabou virando filme, baseado na obra de Choderlos de Laclos. E faz o dia-a-dia de todos nós. Quem não teve, não tem ou não terá uma relação perigosa para contar? Quem não se deu, não se dá ou não se dará ao prazer de cometer uma aventura maluca, descontrolada, fora dos padrões estabelecidos? Quem nunca se irresponsabilizou um dia? Ou pelo menos pensou nisso? Onde você estava durante a ditadura?
Certo dia, estava assentado numa cadeira de ferro da Savassi, com o menino engraxando meus sapatos. Assim por um acaso de dia de pagamento, Terezinho de Jesus, fotógrafo do Palácio dos Despachos, pára num carrão último modelo e me oferece carona. Para quem conhece funcionário público de Minas Gerais, nem precisa dizer que o carrão se tratava de um táxi.
Paninho passado, lá fomos nós. O taxista disse que estava ultrapassando uma fase de depressão terrível e pediu que eu lhe contasse uma história de amor. Uma espécie de consolo. Então eu lhe disse que tinha 47 anos, solteirão, e pensara que nunca me meteria com uma mulher. Pois o amor acabou acontecendo na minha vida. Fiquei conhecendo uma estudante de 19 anos, chamada Jéssica, e, em pouco tempo, instalou-se o paraíso entre nós. E pus umas cinco exclamações!!!!!! Passei a acompanhar Capítulo 49 todos os dias ao Colégio Santo Agostinho, disse-lhe, o que fez com que seus colegas passagem a acreditar que eu fosse o pai dela. Ou outro parente, pois me chamavam de tio.
Sinal vermelho. Esquina de Gonçalves Dias com Praça da Liberdade. Continuo falando, Terezinho e o motorista escutando: em pouco tempo, amávamos como ninguém. Eu não tocava no corpo de Jéssica, pois a considerava uma santa. Um dia, ela me disse que, embora pretendesse fazer Ciência da Comunicação, não precisava de uma profissão, já que rodava a bolsinha...
Era sério. Pior é que a mãe da garota cismou que eu tinha que me casar com Capítulo 49. Pensava que eu era bobo, pois já ficara sabendo, através de seus vizinhos, que Jéssica freqüentava a boate Scorpius, para não ir muito longe nem ofender o pessoal de Nova Lima.
A partir daí passei a ler todos os pensadores do mundo. De Santo Agostinho a Aristóteles, passando por Sócrates e Platão, lia tudo. E tirei importantes lições que me ajudaram a me recuperar, embora admitindo que o coração continuava preso ao daquela criatura bela e formosa.
Com Erich From aprendi que existe o eu superficial (onde o amor é apenas material) e o eu profundo (onde a alma fala mais alto). Com Bergson, bebi o ensinamento de que há o amor erótico, o fraterno e o cósmico, que é o amor de Deus. Com Ganolhi, saboreei a definição de que “o amor de um acaba com o ódio de milhões”. Com Romanelli, compreendi todo o sentido daquela relação perigosa chamada fixação.
Na verdade, a mãe de Jéssica queria apenas uma pessoa para se casar com sua filha, qualquer que fosse, desde que de idade avançada. É que, rejeitada pelo pai desde o nascimento, Capítulo 49 teve um desvio sexual e, transformada em ninfomaníaca, buscava insensatamente uma transferência paranormal. Que, no caso, se chamava eu. A esta altura, os dois estavam boquiabertos.
Praça Raul Soares, 339. Agradeço a carona e vou ao encontro de Jéssica.

Capítulo 50
Que mulher! Que amiga! Que companheira!
Vilminha – Muito mais do que linda, Capítulo 50 entrou e jamais saiu de dentro de mim. Que criaturafabulosa! Não foram poucas as vezes em que amanhecemos jogando sinuca nas mais variadas bancas ou disputando palitinhos em ambientes cults ou em favelas. Vilminha sempre foi assim: uma eclética social, que dá um banho em qualquer Narcisa Tamborindeguy da vida.
Nós nos apaixonamos muito cedo, assim pelos 16 anos, mas o amor é tamanho que jamais acabará. E as imagens são indestrutíveis, como aquela da toalha enrolada no corpo molhado caindo bem diante dos meus olhos, ante o pavor da mãe e as gargalhadas
do irmão José. Capítulo 50 ficou graciosamente sem graça, mas aquela cena valeu a descontração que seguiria os tempos vindouros. Nunca mais teve vergonha de exibir aquele monumento para mim. Digo monumento com as fotos aqui na mão, mostrando a linda galega em vitoriosos desfiles estudantis e até num concurso de beleza de São Francisco, a cidade que inspirou o nome do rio. Ou foi o contrário?
Por força das circunstâncias, Vilminha seguiu outro destino, levando a luminosidade de sua aura para centros mais produtivos. Jamais perdemos o contato, no entanto. E sempre que nos reencontramos, o calor da paixão fala mais que a simples amizade. Não, Vilminha nunca foi nem jamais será mulher de um homem só. Capítulo 50 pode se dividir em milhões de estrelas que, ainda assim, não perderá o fulgor da líder maior da constelação que enche de alegria todos que a contemplam.
Será que é preciso falar mais alguma coisa?

Capítulo 51
Uma aposta verdadeiramente sacana
Française – Um amigo meu costuma brincar que comprou sua mulher por 30 cruzeiros, que foi a taxa de casamento cobrada pela igreja católica. Pois eu comprei Française por nenhum centavo. Simplesmente a ganhei de presente. E nunca mais a perdi para marmanjo algum. Pelo menos é como tento me enganar.
A história é daqueles tempos da fanfarrice, repletos de casos de alcova. Como o do dia em que Artur cismou de fechar um bordel. Ele, Edmílson, Pascoal e eu. Chegamos, nos posicionamos como os reis da cocada preta, chamamos a cafetina e pedimos cada qual o seu veneno alcoólico. Coube a Artur, com uma escultura sobre as coxas, a hilária iniciativa:
Quanto é que a senhora quer para fechar a porta, não deixar ninguém mais entrar e nos aturar aqui até amanhã à tarde?
Você pensa que a proposta ficou na brincadeira? A mulher lacrou a porta do Monte Carmelo, onde existiam nada menos que 11 casas de encontro, fez o balancete, contando litros, garrafas, latinhas, mantas de carne e enlatados, os gatos, os rolos de papel higiênico, somou o cachê das meninas, o aluguel da televisão, do telefone e dos chuveiros, somou tudo e deu o preço. Todos nós aceitamos sem pestanejar.
Só que, na hora da divisão da conta, quem é que disse que o quarteto estava abonado? Um tinha esquecido o dinheiro em casa, o outro estava sem talão de cheques, Pascoal contraiu uma inédita dor de cabeça e apenas Edmílson tinha uns trocados no bolso. O suficiente para pagar as doses já comandadas. E só. Consumado o vexame, as moças pularam dos nossos colos e a casa foi reaberta para visitação pública.
Numa situação mais ou menos parecida, depois de o JR ter imitado um americano na casa de Roxa, fomos parar no antro de Leobina. Neste caso, todo mundo rico de verdade, com dinheiro para rasgar e jogar para cima. Até a semana seguinte, quando a palha voltaria a imperar. Desta vez foi GD quem teve a feliz iniciativa de bancar o bom da boca: já que todo mundo tinha o mesmo interesse, propôs que disputássemos a mulher mais bonita da casa no palitinho.
Adivinhe quem ganhou? Só que o primeiro item da aposta previa que todos ficariam olhando enquanto o vencedor tentasse fazer Française gozar. Quase morri de vergonha, mas dei conta do recado, com a turma (Batista, Requeijão, GD, JR) lá na porta torcendo para que nada acontecesse. E jogando piadas do tipo: “Vai, tá na hora, viche, não tá com nada, amoleceu, agora vai...” O sucesso foi tamanho que virei freguês de Française. E ela de mim.

Capítulo 52
Quando se fala em voleibol, o nome é este
Ionalva – Seu nome parece estranho, mas a mulher é espetacular. Quase dois metros de altura, o que a faz respeitada nas quadras de voleibol como uma das mais perfeitas e rigorosas juízas. Também, tirando a esplêndida Ana Paula de Lavras, quem é que iria enfrentar Capítulo 52 quando apita bola boa ou bola fora?
Ionalva se dedica ao esporte de Bernardinho desde a década 80. É besteira discutir fundamentos com ela. Primeiro 7, taibreique, 7-point, saque de serviço, invasão, bloqueio duplo, bola na antena, Capítulo 52 entende de tudo. Apito pendurado no pescoço mesmo quando não está em serviço, roda o Brasil exercendo sua sacrossanta profissão, sempre com o meu imprescindível apoio.
Jamais impedi que Ionalva apitasse um jogo de voleibol. Ao contrário, estou o tempo todo ao seu lado, seja na arquibancada ou nos vestiários, incentivando-a e aplaudindo suas decisões em cima da cadeirinha. O que é mais do que minha obrigação, porque uma pessoa como Capítulo 52 só merece aplausos. E carinho.
Senti muito não ter - por estar finalizando esta obra - participado da excursão de Ionalva a Osaka, para onde ela foi como convidada especial da confederação brasileira Acho que foi até bom, diante do fracasso das meninas do Brasil nas fases semifinal e final, perdendo para Cuba e China sucessivamente. Pelo DDI celular, senti o quanto Ionalva sofreu com essas derrotas, mas voleibol é como futebol. Uma caixinha de surpresas... Não é todo dia que Virna, Fernanda, Leila, Karine e Ana Moser estão preparadas para uma disputa internacional. É preciso que elas não estejam naqueles dias.
O que não aconteceu no Japão.
Já Capítulo 52 continua todos os dias comigo. Para desespero de Aninha.

Capítulo 53
Só o Senhor salvaria este capítulo
A Baixinha – Isto mesmo, miudinha, porqueirinha, mas uma gracinha. Assim era A Baixinha do Relicário 1882. Ali nos fundos da Matriz era difícil encontrar uma mulher mais simpática do que Capítulo 53. E olhe que eu estava na casa dos 30 anos, o que significa que nem toda mulher era bela para mim. Hoje, talvez seja.
Capítulo 53 estava diariamente ali, falando de suas andanças, das cangas compradas com Nice em Porto Seguro, dos arrazoados de Júlio e Virgílio, dos sambas-enredo de Geraldino, dos móveis da Iguatemi, dos botecos de Ildeu, das músicas de Pedro Boi e Braúna, das lágrimas de Eldomar, das brigas de Raquel, das transas de Rapunzel... um papagaio ambulante. Tinha assunto para o ano inteiro, disso não fazia prosa. Dificilmente você via (ou ouvia) A Baixinha calada. Hoje certamente mais ainda, Capítulo 53 entendia tudo do mundo. Todos os assuntos, os nomes de todos os presidentes, as últimas manchetes da imprensa internacional, a quebra das bolsas de valores, os cataclismas da América Central, os conflitos do Oriente Médio, a rusga dos Estados Unidos com o Iraque, os eternos (des)acordos judeu-palestinos. Dir-se-ia que A Baixinha é uma CNN ambulante. Sem microfones nem pagamento no caixa.
Tivemos uma fase muito harmoniosa, em que desenvolvíamos nossa sede de informação cumulativamente a beijos, abraços e muita pilhéria. Sim, porque Capítulo 53 é uma autêntica comediante. Ri de tudo e ironiza todo mundo e todas as situações. São raros os momentos em que A Baixinha não está olhando para um lado, para a frente ou
para trás e descobrindo uma forma de ridicularizar este mundão de meu Deus. De mim, então, nem se fala. Basta me ver e já vai soltando a gaitada.
Quando a conheci, Capítulo 53 era uma verdadeira muralha. Um túmulo. Eu a cumprimentava e ela grunhia.
Oi, paixão, como está a bonequinha mais linda do mundo?
Uuuuuuuuummmmmmhhhhhh!
Foi duro vencer aquela parada. Com muitas idéias e uma garrafa de Campari na cuca, aos poucos A Baixinha foi entrando na minha. Para nunca mais sair. Fez-se amiga de minha família, passou a ser mais assídua em nossos compromissos, já aceitava - sem resmungar - os presentinhos que eu comprava para ela. Enfim, enturmou-se comigo e consigo, o que era mais difícil do lado dela do que do meu. Reconheceu-se a si mesma, como diria Paulo Coelho.
Seria inevitável que um dia fôssemos ao motel.
Confesso que aconteceu.
Aquele encontro foi um dos mais fantásticos da minha vida. Até a hora em que, deitada de lado, peladinha sob a penumbra, A Baixinha indagou por que aquela pressa em ir embora. Respondi-lhe que não podia chegar em casa com o sol amanhecendo, senão daria problema no setor, a mulher jamais aceitaria a idéia etc. Capítulo 53 desandou a chorar, para meu espanto geral. Disse que eu não falara que era casado, que ela trabalhava justamente num movimento pela preservação do casamento e contra a violência conugal, que o pessoal da igreja jamais a perdoaria se ficasse sabendo do seu relacionamento comigo. Um escândalo!
Atônito, mostrei a Capítulo 53 que, em nenhum momento, ela me perguntara se eu era casado, daí a desnecessidade de eu informá-la a respeito. Que jamais queria prejudicá-la e que, simplesmente, nós estávamos desenvolvendo um projeto do Senhor, no sentido de que duas pessoas se amassem perdidamente, em vez de se matarem, de espalharem o ódio e a desgraça num mundo tão perverso como o nosso. Na visão mostrada a ela, nós éramos a encarnação da paz enquanto filhos de Deus.
O discurso pegou. Tanto que me virei para Capítulo 53 e perguntei:
Vamos outra vez?
Fomos várias.

Capítulo 54
Nuazinha e já se apresentando com muito prazer
Evinha – Há varias formas de se conhecer uma mulher e dela se apaixonar, como você pode observar no relato das 74 histórias reais contadas neste livro. Evinha, por exemplo, entrou na minha vida pela porta da frente. E nua. Não sei bem de quem foi a idéia, sendo até perigoso citar nomes (embora os tenha todos de cor), para não cometer injustiça. Ademais, os jornais do início dos anos 70 divulgaram o episódio à exaustão, tornando-o público e explícito. Muitos ainda se lembram do Baile do Cabide.
Para os padrões de hoje, não seria nada de anormal ou imoral. Para a época, entretanto, foi um Deus-nos-acuda. Um festival de ave-maria e um tanto de mãos levadas à boca.
A combinação (e as mulheres ainda usavam combinação) era a seguinte, como o próprio nome da festa indica: repetir no interior de Minas a liberalidade de Woodstock, numa casa elegante da cidade.
E assim foi feito. Os convidados iam chegando e pendurando as roupas num varal (desses de butique) armado no lobby. Em pouco tempo, em meio a fumaças e cubas-libres, estava ali a patota mais incrementada da área, exatamente como veio ao mundo.
Uns, mais tímidos, demoraram a entrar no jogo. Os mais afoitos (e era a quase totalidade) faziam pose, como se estivessem no festival de rock que consagrou Jane Joplin. Um desfile de carinhas inseridas no contexto. Todo mundo muito moderninho, bundinha de fora, queixinho pra cima, narizinho de cheirar peido. Mas nada de apelação, ao contrário do que poderiam imaginar (e imaginariam) os maliciosos. Tudo muito natural.
Sinceramente, nunca vi tanta pureza como naquela noite/madrugada. A exposição das genitálias não afetou a cabeça de nenhum de nós, que passamos a traçar, ali mesmo, novas promoções, sempre visando o desenvolvimento da política do corpo e a purificação das mentes. A certa altura fizemos uma reunião e escalamos os próximos encontros, alternadamente na casa de um dos presentes e com a presença do varal de cabides, que dera certo já na estréia. A idéia fora tão boa que já não se sabia quem era o pai da criança. Mas, meses depois, saber-se-ia que seriam muitas as crianças geradas em função daquela iniciativa cultural.
Pé-de-valsa incorrigível, dancei com praticamente todas as meninas, até me fixar em Evinha, enquanto os demais cuidavam de outras ocupações, espalhados pela imensidão das salas, varandas, quartos e jardins. Acho que Capítulo 54 foi minha primeira conquista pelada. As outras sempre chegaram muito bem trajadas. Evinha já se apresentou estampando no corpo um verdadeiro “muito prazer”. Uma pessoinha como aquela jamais poderia ser abandonada, daí o prolongamento do nosso namoro, apesar do abortamento da festa em que nos iniciamos. Foi aquela e ponto final. Deu o maior galho.
Você ainda pergunta por quê? Um gaiato lingarudo, que foi mandado para os quintos do inferno, vazou a notícia para a imprensa, que estampou uma manchete garrafal no dia seguinte: Escândalo na sociedade! Rapazes e moças tiram a roupa no Baile do Cabide. Um horror! Nem o Notícias Populares conseguiria tanto ibope. Os repórteres policiais tiveram o cuidado de não divulgar os nomes dos participantes. E adiantou? O famoso rádio-peão, de boca em boca, se encarregou de escancarar a identidade de todo mundo. Muitas amigas ficaram várias semanas sem sair à rua, outras foram expulsas de casa. Revólveres ameaçaram estourar a cara dos que lá se encontravam. Inimizades de irmãos e namorados enciumados e envergonhados foram seladas definitivamente. Um colégio chegou a suspender as aulas para apurar a participação de alunas.
Era assim a falsa moral do nosso tempo.

Capítulo 55 e Capítulo 56
Um jogo duplo em que perdi de goleada
Célia e Helen – Acho que sofrimento como esse poucos homens tiveram na vida. Porque é duro você ser desmascarado, suar frio e ter que se render diante de duas mulheres ao mesmo tempo super-inteligentes, sádicas, irônicas e mordazes. Vou contar o sucedido.
Há muito tempo eu vinha de gracinha com Célia. Uma amizade que começara num curso de violão, evoluíra para troca de cultura geral, chegara ao limite do intercurso e virara paixão mesmo! Essa minha capacidade de me apaixonar rapidamente é que me mata... Ainda bem que me desapaixono na mesma velocidade. Bem, lá íamos nós carregando nossa carruagem da felicidade, dividindo nossas intimidades, um perfeito casalzinho de pombos.
O relacionamento chegou a tal ponto que eu já não fazia nada sem consultar, antes, a sapiência de Capítulo 55. E vice-versa. Mesmo sem necessidade, ou até mesmo por modéstia intelectual, Célia sempre estava solicitando essa ou aquela opinião sobre suas atividades, afazeres ou até mesmo sobre uma nova receita de bolo. Era como se
fôssemos carne e osso. Apostavam, até, em casamento com véu e grinalda, terno e gravata.
Um dia fui apresentado por Célia a sua sobrinha Helen. Agora vejam bem o que aconteceu: não é que me engracei pela moça? A desgraça começou aí, na minha gulodice. Parti para cima da sobrinha, até Helen virar Capítulo 56. Telefonava-lhe duas, três vezes ao dia, ia vê-la no colégio, passei a freqüentá-la assiduamente, sem deixar Capítulo 55 de lado, mas diminuindo a atenção e os amassos. Aparentemente, tudo muito normal, pois eu tinha certeza de que Célia jamais se importaria com meus contatos com a sobrinha. Afinal, era só amizade...
Numa tarde de sábado, toca o telefone. Era Capítulo 56 pedindo que fosse a sua casa ajudá-la a montar um quebra-cabeças. Saí esbaforido, doido para rever aquele corpinho leve e fofo, gostoso de apalpar e de se enroscar. Nem tomei banho direito, saindo pela rua colocando o cinto e ajeitando a camisa para dentro da calça. Onze minutos depois tocava a campainha de Helen.
Capítulo 55 e Capítulo 56 vieram me atender. O que seria normal, em se tratando de duas parentes e amigas tão próximas. Assim que me acomodei, Helen perguntou o que eu preferia, já sabendo que eu era chegado numa vodka com suco de laranja. Enquanto triturava a mistura com gelo no liqüidificador, fiquei de papo com Célia. A bebida veio em dose tripla, uma taça para cada um.
Foi aí que as duas ordenaram que eu me assentasse no tapete verde da sala. Cruzei as pernas e comecei a beber, sem entender bulhufas. Capítulo 55 e Capítulo 56 sorriram uma para a outra, me encararam e começaram o pior interrogatório da minha longa existência com esta frase: “Agora, nós vamos submetê-lo ao Jogo da Verdade”.
Você pensa que era brincadeira? Ingenuamente, eu pensei que era e até propus: “Tá bem, eu começo o jogo”. Helen e Célia ficaram sérias, franziram os semblantes, me olharam com caras de bruxa e desfiaram uma saraivada de perguntas que mais parecia uma rajada de AR-15. Os balaços vinham de ambos os lados, cada um mais lancinante do que o outro. Que sofrimento, meu pai! O objeto do jogo era saber de quem eu realmente gostava, diante da constatação de que tudo que eu dissera para uma, repetira para a outra, inclusive na hora mais sublime do orgasmo.
É verdade que você disse para Célia que ela é a luz da sua vida?
Não sei, não sei...
Disse sim, e disse para mim também.
É verdade que ele lhe disse, Helen, que iria se casar com você no ano que vem?
É.
Disse ou não disse?
Depois de tanta bordoada, Capítulo 55 virou-se ferozmente para mim e deu o xeque- mate:
Diante de tanto cinismo, você tem uma derradeira oportunidade: afinal, você gosta realmente de mim ou dela?
Dei o vacilo fatal. Em vez de fazer uma opção firme, determinada, clara e objetiva, mais sem-graça do que menino pego furtando caramelo, suando mais do que tirador de espírito, as mãos comprimidas uma contra a outra, virei-me para Capítulo 55 e Capítulo 56 e cometi esta tolice:
Das duas...
Perdi ambas. Ainda tentei reaproximar-me, mas a indiferença com que passaram a me tratar eliminou-me de vez daquele jogo estúpido. Culpa de quem?

Capítulo 57
Um choque que quase dilacera minhas costas
Fafá – Falo tanto em galegas que você vai acabar achando que sou racista. Está aí Capítulo 57 para provar que não. De uma negritude soberana, os olhos pretinhos que nem duas jabuticabas, rosto se afinando na medida em que chega ao queixinho de nenen, nariz afilado de fazer inveja a Isabel Filardis, Fafá é a Chica da Silva da minha vida. Com muito mais requinte. Esperta em seus pulinhos pernaltas (de peralta com perna alta), parece estar as 24 horas do dia ligada ao mundo que a cerca. Inteiradíssima!
Capítulo 57 está sempre pronta para ir para onde você quiser, não recusa propostas indecorosas e é de uma delicadeza que só as mulheres mais sábias sabem ser. Confesso que demorei muito a me dar com uma pessoa do estilo de Fafá. A exceção fica por conta de Capítulo 74, mas esta não conta.
Vozinha miúda, aquela maneira sertaneja de dizer que é sempre manhã, embora seja tarde, mãos de veludo e pezinhos de bailarina, não foram poucas as vezes em que nos envolvemos em sucessivos pàs-de-deux, logo eu que sempre fui ligado ao samba, à bossa nova e ao rock pauleira. Só que, no embalo do amor, boi zebu vira beija-flor. Diante da suavidade clássica dessa negrinha fogosa, falava mais alto minha sede de sedução. Aí, todo bravo vira latim lover.
Vivi uma fase profundamente romântica com Fafá, para desespero de certas branquelas invejosas, que nunca tiveram o prazer da minha companhia. Nem jamais terão, pois mulher de verdade sabe respeitar as de outra cor. O que nem sempre acontece. Não foram poucas as vezes em que, numa festa grã-fina, as de lá ficavam cochichando, lançando risinhos irônicos para nosso lado, como se nós estivéssemos ridicularizando os códigos sociais. No fundo, estávamos, mas não precisava tanta humilhação só porque Capítulo 57 não tinha a mesma tez dessas fofoqueiras desocupadas, nem nascera em berço de ouro.
Uma daquelas – fiquei sabendo pela Jussara - chegara a indagar se eu estava cego. E quanto eu tinha pago por aquele colar da Stern que Fafá ostentava no pescoço. Quem era aquela para ser tão bela como Capítulo 57... Por fora e por dentro. E tão espirituosa, luminosa, criativa e bondosa... Feito o desabafo, vamos ao episódio que mais marcou nossa breve, porém enriquecedora convivência: aconteceu na quitinete da Plínio Salgado.
Acabávamos de sair do chuveiro, molhados e saltitantes, eu disposto a dar uma cochilada, Fafá querendo mais e mais. Era assim a chiquitita. Tentei saí pela tangente, mas Capítulo 57 forçou tanto a barra com aquele seu jeito insinuante que daí a uns vinte minutos estávamos de novo na horizontal. Fafá me devorando por baixo com seu corpo de serpente e eu tentando segurar as pontas com a garra de um leão recém-abatido.
O impacto que senti foi tão grande que fui parar de costas na porta do banheiro, caindo de pernas para o ar. A sorte é que a porta estava fechada, senão teria destruído o armário de dentifrícios com espelho e tudo e iria parar no Pronto Socorro. Quando consegui respirar, entendi a tragédia. Ainda desfalecida, Capítulo 57 continuava com a mão direita colada ao fio descascado do ventilador que aliviara nosso calor bem ali ao lado do tapete.

Capítulo 58
Em Brasília, fiz tudo para desabafar meu ódio. Em vão
Giane – Não tão negra e imponente como Fafá, pois que mais chegada ao chocolate, Capítulo 58 é de uma perversidade a toda prova. Talvez tenha sido por isso
que eu me aproximei daquela grã-fina da corrupção nacional. Não por ser masoquista, o que jamais passou pela minha cabeça de Dock Street nem pelo meu rosto espelhado de Narciso, mas pelas idéias sinceras e politicamente corretas de Paulo Maluf . Tanto que adoro pessoas falsas, especialmente as do sexo frágil. Rá... rá... rá...
Por que o riso? Como são fracos nós outros, os homens incorruptíveis.
Numa longa viagem envolvendo milhões de dólares, Capítulo 58 pisou no meu calo, xingou minha mãe, cuspiu no melhor prato do Maksuda, apagou a noite de Libifraumilk (libido misturada com vinho alemão) no Copacabana Palace - nosso querido Copa - dançou de patins no Eldorado, vomitou (quatro e meia da manhã do tragicômico impeachment) nos imemoráveis jardins da Casa da Dinda e nem assim teve compaixão deste pobre filho do Vale do Jequitinhonha.
Fez de mim, durante dez dias, gato e sapato. Mais sapato do que gato. No auge de sua agressiva destemperança, me obrigou a permanecer no aeroporto de Cuiabá, enquanto fazia umas compras suspeitosas em Manaus e assinava contrato com uns gringos. Na volta, revoltou-se por que eu almoçara sem esperá-la. De nada adiantou explicar a diferença dos fusos horários norte/nordestinos no horário de verão. Esbravejou-se ali mesmo, para espanto coletivo e constrangimento particular.
Tem nada não. Como diz a patota lá do bairro, sapo só pula enquanto tem mijo... Fizemos uma viagem tranqüila de volta, apesar dos traslados Vasp-Varig-Transbrasil, desci com aquela mala sem alça e fui direto para sua mansão no Lago Sul, onde a entreguei a seu marido, meu sócio-patrão em vários negócios. O nó da garganta estava no tampo da cabeça.
- André, está aqui sua bendida esposa, sã e salva, muito sucedida nas transações que você me recomendou. Quero lhe dizer que fechamos, eu e essa desgraça, contratos bem mais lucrativos do que o da Sulivam e do Projeto Jari. Agora tem um detalhe que pode atrapalhar tudo.
O homem, acostumado à minha sinceridade e ao zelo com que eu tratava o patrimônio da empresa, espantou-se:
Algum boi na linha?
Não, meu caro, não é boi não, é uma galinha...
Não entendi...
Sua mulher está apaixonada por mim.
Quem, a Giane?
Capítulo 58 virou um arco-íris, começou a tossir uma tosse psicológica, levava as mãos à barriga para segurar os enjôos. Para ela, o mundo estava acabando naquele exato dia da prisão de PC pela polícia da Globo.
Minha Nossa! Você acha que isso vai atrapalhar a joint-venture?
Claro que não, André, é uma questão entre eu, você e essa piranha.
E qual é o problema, meu caro? Vamos tomar um Bala 12.
O problema sou eu, André.
Não é à-toa que adoro gente falsa, embora milionária. Dali mesmo fomos para o Clube de Golfe.

Capítulo 59
Era muito grande o risco de Riséria ser flagrada na janela
Riséria – Até o nome dela é engraçado. Mulata de corpo certinho, cabelos ruivos e anelados, o rosto de uma pele lisinha de dar gosto, Capítulo 59 começou cedo nos meus devaneios. E nos dela também. O que não podíamos imaginar é que aquele amor platônico desembocasse numa tórrida corrida pelo sexo, que quase nos mata.
De certa forma, as circunstâncias contribuíam para que mantivéssemos uma distância cautelar em relação ao outro. Componente de uma família de 12 irmãos, Riséria era, como as demais fêmeas, vigiada dia e noite pela mãe, que fazia tudo para que suas filhas se casassem virgens. Não deixava que as meninas colocassem um pé na rua sem avisá-la. Muito menos que voltassem fora do horário estabelecido por ela. Lembro-me de que a mãe tinha até uma mania de dizer: - Você vai, mas volta logo. Vou cuspir aqui no chão. Se quando você voltar o cuspe já tiver secado, eu te mato.
A coitada saía desesperada, com aquela imagem na cabeça e sequer olhava para os passantes. Porque a ameaça não era apenas velada, era de verdade mesmo. Se por acaso demorasse a ponto de permitir que o cuspe da mãe se desfizesse no chão de terra, levava uma surra que vou te contar! Doze bolos em cada mão, quando não umas lanhadas nas costas com vara de marmelo. Houve um dia em que Capítulo 59 apanhou na cara, ficando dois dias com hematomas e aquele vermelhão revoltante.
Mesmo morando em frente à sua casa, era difícil ir além de umas bicotas com Riséria. Que caía em gargalhadas, esquecendo-se por minutos da rigidez e da severidade da mãe. Espirituosa, Riséria estava sempre dando motivos para que também eu me divertisse intensamente com suas tiradas. Como, para a família do outro lado da Rua Tal, número 114, tudo não passava de sincera amizade, tínhamos essa liberdade vigiada pelo menos umas quatro vezes por dia. Sobrava um espacinho, um vacilo de Dona Onça e... shilepe!
Foi Capítulo 59 que teve a idéia de, altas madrugadas, pular a janela de sua casa e vir saltar sobre a do meu quarto, que ficava rente ao passeio e era combinadamente deixada apenas cerrada. Não foi muito difícil quebrar o cabaço de Riséria. Difícil foi convencê-la a encerrar aquela aventura louca e perigosa. Poderíamos ser mortos por seu pai ou seus irmãos, argumentava. Nesses momentos ela caía em depressão e merejava os cantos dos olhos, me forçando a aceitar um novo pula-pula na madrugada seguinte. Era muito corajosa Capítulo 59, mas o meu também estava na reta. A situação foi ficando tão neurótica que pressionei dona Laura – veja bem – a alugar outra casa, mudando-nos da Rua Tal.
O distanciamento se encarregou de, paulatinamente, ir esfriando as querências de Capítulo 59, além da repressão da mãe que até ontem não descobrira quem foi o primeiro de Riséria. Ironicamente, nenhuma de suas oito filhas casou-se virgem. Bem feito!

Capítulo 60
Da encarnação de Pomba Gira à venda de acarajés em Itapetinga
Agda – Quase caí para trás quando, muito tempo depois, Capítulo 60 apareceu sem a longa cabeleira, a cabeça raspada com máquina zero, estilo Ronaldinho. Indaguei-lhe se estava doida. A resposta foi não. Secamente, não. Misteriosa, Agda mudou de assunto, tomou três copos de cerveja, pegou a moto e se mandou. Fiquei encabulado, olhando para o nada e formulando hipóteses para aquela reviravolta nos miolos de Capítulo 60.
Teria sido promessa? Piolhos? Estaria fazendo quimioterapia? Estivera presa sem que ninguém soubesse? Quebra de resguardo? Castigo? Uso exagerado de shampoo? Talidomida? Anticoncepcionais de farinha? Insolação? Comida estragada? Falta do que fazer?
Não dormi. Encucado, saí de manhãzinha atrás de uma explicação. Depois de percorrer uns quatro bairros, encontrei o motivo da raspadura na casa de Eduardo: “Você
não sabe? Ela agora é filha-de-santo. Está freqüentando o terreiro de Aderaldo. Aquilo é oferenda a Exu”.
Não resisti à tentação de ir à primeira sessão de candomblé. Velho conhecido do pai-de-santo, cheguei à tenda de Oxossi Caçador e fui logo perguntando a Aderaldo por Capítulo 60. Só viria na quarta-feira. Na verdade, disse, ela praticava o vodu, que ali tinha de tudo: candomblé, macumba, umbanda, feitiçaria. Mais esquisito ainda, pois Agda escolhera seguir exatamente a linha negra, a mais violenta. É quebrar o braço de um aqui, furar o olho de outra ali, desfazer um casamento acolá, quebrar um comerciante adiante, acabar com o rebanho da fazenda de Beltrano, matar Fulano, incendiar a casa de Sicrano.
O pai-de-santo atendia o prefeito de uma cidade próxima que queria devolver o feitiço mandado fazer em Irecê por um adversário político, para que nunca mais vencesse uma eleição. Aderaldo pediu-lhe que lhe desse o dinheiro suficiente para comprar sete galos pretos, sete velas (pretas) de sete dias, sete metros de pano preto, sete caixas de incenso, sete garrafas de cachaça, sete tubos de pólvora e sete charutos. O ritual seria realizado na noite de quarta-feira, diante do cliente. Decidi voltar na quarta, duplamente curioso.
Quando entrei naquele salão subterrâneo e tenuamente iluminado, impressionei-me com a quantidade de ossadas de galinha e garrafas vazias de cachaça arrumadas uma ao lado da outra, num imenso e redondo balcão de alvenaria. Assentado com nós outros num banco de madeira, mãos fechadas entre as pernas e auxiliado por Agda, Aderaldo fechou os olhos e passou a gritar com um vozeirão que não era dele:
- Lucifer! Lucifer! Lucifer! Desça aqui Capeta, cão malvado! Venha Satanás! Quero aqui todos os espíritos do mal! Belzebu, Boiadeiro, 7 Portas, Exu, quero todo mundo aqui e agora, pra devolver o feitiço pro feiticeiro. Lucifer...
Na medida em que Aderaldo aumentava o tom da voz e entrava em convulsão, Capítulo 60 seguia os seus gestos, até apanhar um facão afiado e começar a cortar as jugulares dos sete galos e sete bodes amarrados uns aos outros no fundo do salão. Com uma bacia grande, ia colhendo o sangue dos animais sacrificados naquela confusão de gritos e gemidos que poderiam ser ouvidos a um quilômetro. Nada daquilo me assustava, mas deixava o prefeito com os olhos arregalados e as pernas trêmulas. Ele foi colocado numa roda de pólvora, que, acesa por Agda, levantou um fogão e uma fumaça que infestou o ambiente por muito tempo e intensificou ainda mais o cheiro de incenso. Nesse cenário é que o prefeito foi enrolado nos sete metros de pano preto e rodopiado por Aderaldo até ficar tonto e cair.
O ritual prosseguiu, entre as sete velas de 7 dias acesas de cabeça para baixo. O pai-de-santo bebeu uns dois litros de sangue e, uma após a outra, as sete garrafas de pinga, e fumou os sete charutos. Ato contínuo, quebrou as garrafas e passou os cacos no rosto, sem se ferir. Não acreditava no que via, mas é verdadeiramente verídico. Aderaldo (ou sei lá que miséria era aquilo) ordenou que as entidades satânicas possuíssem Agda. Capítulo 60 se estrebuchava, rasgando o longo vestido preto, deitando-se no chão e repetindo os mesmos gritinhos, ais e uis que eu conhecera em outras alcovas. O transe ficou ainda mais dramático quando Capítulo 60 incorporou Maria Molambo, uma das encarnações de Pomba Gira. Gritava palavrões, gozava, tornava gritar, tornava gozar, rindo sem parar.
O espanto disso tudo é que, encerrada a função, Aderaldo, conversando normalmente conosco, não exalava nenhum bafo e estava tão lúcido como antes de beber as sete garrafas de cachaça. O prefeito, já desamarrado (isto é, livre do Diabo), parecia um trapo. Saiu dali para perder a reeleição. Nunca mais ganhou.
Num trabalho de linha branca que durou uns seis meses, consegui fazer a cabeça de minha querida Agda e tirá-la daquele inferno. Hoje Capítulo 60, inteiramente desconvertida, é uma cabeluda vendedora de acarajé em Itapetinga.

Capítulo 61
Qual é o segredo daquela toalhinha escondendo o umbigo?
Nádia - Ajuntada atualmente com um italiano, Nádia nem assim se esquiva quando, num encontro fortuito, a convido para rememorar as sacanagens de outrora. E repetir tudo de novo. O furinho no queixo e as duas covinhas na face continuam intactos em Capítulo 61, mas há um detalhe que a difere das outras 73 mulheres que eu amei. E que surpreenderia qualquer homem que com ela ficasse. Depois eu conto.
Foi, certamente, a primeira mulher parda que conheci. Desde o primeiro livro de Lalá e Lili, sabia que existe essa cor, mas é difícil você distingui-la em meio à multidão. Preto, branco, amarelo, cafuzo, sarará, mulato, ruivo, todos esses tipos você encontra no dia-a-dia de qualquer cidade deste país furta-cor. Mas pardo é difícil. Pois esta era a cor de Nádia: parda. Aquela cor de boi-fugido, resultante da miscigenação de pelo menos cinco raças entre seus antepassados.
Encabulei-me de cara com a pardeca e firmei com ela uma companheiragem diária que sempre acabava (para recomeçar 24 horas depois) na cama. Eta tempo bom! O telefone tocava, lá ou cá, de manhãzinha, como se não acabássemos de nos vermos. Risadas prolongadas exprimiam o relatório da noitada passada, com suas gafes e suas piadas, seus destemperos e suas gostosuras. Era como se tudo estivesse acontecendo de novo.
Invariavelmente, almoçávamos ou jantávamos juntos, fingíamos que nos despedíamos e, escondido o sol, lá estávamos outra vez prontos para a batalha.
Anos e anos de perfeita convivência e eu com aquele grilo na cabeça: o que é que Capítulo 61 tinha na região do umbigo que não podia mostrar? Toda vez que saíamos das roupas para cultivarmos nossos corpos, era a mesma coisa: de costas, Nádia pegava uma toalhinha e colocava sobre o umbigo. Durante toda a relação, tinha o maior cuidado para que a toalha não saísse do lugar, a não ser quando se virava, deixando o magnífico bumbum à minha disposição.
Foi assim durante todo esse tempo. Às vezes, de brincadeira, fingia que ia puxar a toalha, mas Capítulo 61 me olhava com aquele ar severo e voltava a colocá-la no lugar. Quando dormia, acordava à menor tentativa de descoberta do seu segredo. Ia e vinha do chuveiro sempre com a toalha grudada ao corpo.
Seria vergonha da cicatriz de alguma cirurgia? Defeito horroroso no umbigo que contrastasse com sua beleza magistral? Trauma de alguma relação malsucedida que lhe deixara marca?
Para não constrangê-la, jamais indaguei a Capítulo 61 o motivo daquele mistério. Ela exerce tão bem seu ofício que prefiro não correr o risco de perder a amizade e a explosão sexual de uma mulher espetacular como Nádia.
Um dia, a exemplo do que aconteceu com Capítulo 50, quem sabe a toalha venha a cair num momento inesperado? É a minha esperança.

Capítulo 62
A carta despretensiosa que quase muda a vida de uma mulher
Liane - Era batata. Todas as vezes em que se deslocava de sua cidade para a minha, lá vinha a cutucada: “Minha mulher tem uma carta sua para lhe mostrar”. A princípio, levei aquilo na brincadeira, mas o negócio foi ficando sério. Não me lembrava da mulher de Carlos, muito menos aquela história de carta. Como o amigo era cheio de gracinhas, deixava para lá.
Ocorre que, certa feita, tive que ir a Janaúba. Ora pois que não. Já na entrada da Avenida do Comércio topo com o Carlos todo apressadinho, correndo para lugar nenhum, que é o seu jeito de ser. Dá a idéia de que está sempre em alta rotatividade, quando apenas enrola o tempo.
Convidou-me para almoçar no restaurante do hotel Valmar, pediu licença e voltou com a dita carta na mão. Escrita há uns três anos atrás, não era comprometedora. Apenas um agradecimento despretensioso pelo empréstimo de um violão. O que havia por trás da mensagem, no entanto, quase mudou a vida de Liane, como ela contaria ao lado do marido pouco tempo depois, em sua casa.
É que, na apresentação de uma peça de teatro, no antigo Cine Virgínia (hoje, Igreja Deus é Amor), perto da agência ferroviária, precisamos de um violão para compor o cenário. Quem nos socorreu foi a moiçola magrinha que desde o início da tarde ficara lá no fundo do auditório acompanhado as aprontações de Augusto, Tico, Gílson, Juca Poeta, Jackson, Mário Boy, Aldo e Zé Dias.
Sem Liane, o espetáculo teria sido comprometido. Graças a ela e ao violão, a peça pôde ser apresentada para todas as três pessoas que foram prestigiá-la naquela noite. O fracasso só não foi maior porque Capítulo 61 arrebatou todos os meus aplausos nas horas seguintes ao encerramento da temporada. Mas isso não vem ao caso.
De volta a Montes Claros, enderecei uma missiva (epa!) a Liane agradecendo-a duplamente pela sua participação espontânea. E nunca mais pensei no assunto.
Fiquei, pois, surpreso quando, tendo como testemunha o próprio esposo, Capítulo 61 disse que sua vida teria mudado (certamente para pior) se tivesse me encontrado nos três dias após receber a carta e viajar à minha procura, disposta a fazer qualquer besteira. Foi um ato da Providência. Capítulo 61, separada, acaba de mandar para a cadeia, por falta de pagamento de pensão alimentícia, o mesmo Carlos que fez questão de me devolver a correspondência piegas.

Capítulo 63
O escândalo provocado pela foto no Pasquim
Bete - Foi um sucesso e um pavor quando o Pasquim circulou com a foto de Capítulo 63 de maiô, nas Dicas do Leitor. A mudança dos costumes não dá margem à avaliação do escândalo daquela pose à beira da piscina, muitos anos antes do lançamento do fio dental. Os pseudo-moralistas caíram de pau em cima da menina, que deixara se mostrar “nua” no jornal mais famoso da época. E ela nem tchium.
Nem Ziraldo nem Ivan Lessa nem Jaguar nem Henfil, ninguém tirou mais proveito daquela publicação do que eu. Os milhões de cruzeiros gerados pela venda do hebdomadário não chegaram nem perto do faturamento obtido por este cidadão após a circulação do Pasquim. Para começo de conversa, tivemos – eu e Capítulo 63 – de nos refugiarmos na fazenda de um amigo durante uma semana, até que a poeira abaixasse. Tomávamos conhecimento da reação popular através de um rádio de pilha, o único veículo disponível.
Durante todo esse período, feliz e orgulhosa, Bete só tirava o maiô famoso à beira do rio, onde mergulhava o paraíso que havia em seu corpo nas águas límpidas da Ponte Cigano, em Coração de Jesus. Nus, divertíamos com o encantamento da natureza, que tornava perfeitas até as pedrinhas alvas do fundo do rio e transformava em gargalhadas as bicadas dos peixinhos em nossos pés. Quanta felicidade!
Os comentários sobre a deslumbrante nudez de Capítulo 63 eram algo tão absurdo que não convém comentar. Seria deslumbre demais. Mas é claro que tirei partido da situação, ajudando a reforçá-los perante Bete, para valorizar minha astúcia e sua audácia. Era como se fôssemos dois heróis contra o status quo. Andávamos sistematicamente juntos, eu na condição de fiel escudeiro da mulher ao mesmo tempo mais odiada e mais cobiçada da cidade. Nas festas, nos rodeios, no mercado, nas lojas da cidade, nos cinemas, nas viagens,
Capítulo 63 só se sentia segura se estivesse ao meu lado. E detestava aqueles outros, fazendo cada beiço...
Hoje, deve estar rindo de todo mundo, pois a evolução comportamental mostrou que aquela reação à exposição de seu maiô inteiriço e folgadão não passava de hipocrisia. Pena que, agora, com toda essa liberalidade que nos comove, Liane não possa se exibir daquela forma. Engordou uns 15 quilos. Também não existe mais Pasquim...

Capítulo 64
Mulher se pega pela boca
Lolita – Convidei-a para jantar sem nenhuma pretensão, apenas para tratarmos de negócios. Quando Capítulo 64 empalmou o garfo, pensei tratar-se de uma pessoa comum. Qual nada. Comeu quase toda a parmegiana, deixando apenas a banana para mim. Tive que pedi outra, da qual a metade foi devorada por Lolita. Enquanto Capítulo 64 saboreava um prato de pêssego em calda e antes que se servisse de outro tanto de fígado cristalizado, pensei dentro de mim, aí sim, maliciosamente: “Já sei”.
Conversa vai, conversa vem, acabei convencendo-a a dormir em minha casa. Tudo com o maior respeito. Duvida? Você acertou. Lá pelas tantas, rolou uma putaria convencional, apenas para não fugir ao costume. Na cama, Lolita não era tão gulosa como na mesa, mas me encarreguei de enfoguetá-la até tombar cansada. Observando-a roncando baixinho, comparei-a com o poster de Ele e Ela colado a um isopor por sobre o som e dei um ponto a menos para Capítulo 64, por ser mais baixa do que Cláudia Raia. E dez pontos a mais, por estar ao meu alcance.
Às 9 horas, quando abriu os olhos deu de cara com uma bandeja com melão, melancia, uvas, torradas, bolo de aipim, bolachas, misto quente, ovos fritos, requeijão, banana frita, passas, beiju com manteiga, geléia, minipizza, farofa, sucos de manga e acerola, leite e café. A alegria escancarou-se nos olhos de Lolita, que me deu um beijo na face e se sentou delicadamente em frente ao carrinho. Para deixá-la à vontade, liguei a TV e fui cuidar da cozinha, onde o feijão já começava a chiar na panela de pressão.
Descamei o surubim, tirando-lhe as barbatanas e retalhando-o, recheando-o com cebola, cenoura, maxixe, alho, pimentão e umas fatias de bacon. Passei um pouco de sal em sua extensão e por dentro da barriga, semeei corante e um tiquinho de coentro e cominho. Enfim, untei-o com manteiga e deixei conservando. Lavei novamente as mãos e fui dar uma espiada no quarto. Lolita mastigava vagarosamente um pedaço de requeijão, os olhos tão grudados em Angélica que nem me viu. Voltei rapidamente para a cozinha.
Qual seria o acompanhamento do peixe? Batatinhas fritas. Que poderiam ser deixadas para depois. O feijão precisava de mais uma água. Macarrão ao óleo e alho? Adiantei o expediente, colocando a água para ferver. Um pouquinho de óleo brilhou no fundo da panela. Como sobraram uns tijolinhos de cenoura, optei por uma espécie de arroz à grega. Mais improvisado ainda foi o frango ao molho pardo, pois o sangue da galinha estava que nem uma pedra no congelador e demorou a se descongelar. Se não fosse o liqüidificador. Juntei o sangue aos demais ingredientes e, em vez de molhar os pedaços semi-fritos do frango, como gosto de fazer usualmente, preparei o molho com sangue e tudo. Mais tarde constataria que o gosto ficara melhor.
Pé ante pé, fui ver como se encontrava minha recém-eleita musa. A mesma classe na devoração de uma banda de melancia que deixava a água cair sobre suas coxas e dava aquela visão divinamente sexy. Mais sexy, porém, era a gordura que queimava na panela, fazendo-me voltar depressa para o fogão e atirar o agulhão com tanto medo que o fogo do gás quase acaba com o óleo. Com uma colher de pau desfiz a confusão momentânea. Os carocinhos de arroz começaram a ficar pretos, tempo exato para jogar uma tigela de água e ouvir aquele barulhão que, com certeza, tiraria a paz de Capítulo 64. Que nada! Agora a escolhida era a minipizza da loja de conveniências.
Com uma colher, joguei a salmoura do peixe sobre ele mesmo, quebrei o macarrão sobre a água fervente com um punhado de sal, descasquei uma cabeça de alho desse tamanho e comecei a picar a batatinha em forma de coração. O feijão deu sinal de que já estava cozido. Coloquei a panela sobre a pia, para esfriar e fui ver Capítulo 64. Não estava no quarto. Aflito, encontrei-a, de costas para mim, folheando uma Veja de pernas cruzadas no tapete da sala de visitas. A mesa do café estava vazia. Coitada, pensei, estava com fome. Por isso, não quis perturbá-lá.
Trabalhei rapidamente. Joguei mais água no arroz já quase queimando o fundo da panela, fritei o feijão com óleo de soja e tempero caseiro, escorri o macarrão, enrolei o peixe no papel alumínio e o coloquei no forno, substituí a panela do macarrão pela panela da batatinha, acendi a sexta boca e, nesta, depois do óleo quente, joguei os dentes de alho que instantaneamente começaram a mudar de cor, graças ao urucum e à queima natural. Tempo suficiente para, com um mini-ancinho, ir trocando as panelas de lugar, subindo aquele cheiro delicioso que encanta todas as cozinhas.
Tudo em ordem, fui ver como estava Lolita. Não estava.
É o tal negócio: quem tinha de comer era eu.

Capítulo 65
E eu pensando que a santinha era virgem...
Lindalva - A história das Ticoaras balançara a cidade pelo simples fato de três putinhas se vestirem de índia em meio à folia do carnaval. Era natural que, como mentor daquela provocante idéia e num delírio de arrependimento tardio, eu me recompusesse perante a sociedade. Como fazê-lo? As pessoas me olhavam como se eu fosse o inventor da prostituição. Mais que isto, como se eu fosse o único homem no mundo capaz de desrespeitar a moral dominante e melar uma festa pública com um despudorado tema-enredo em que os índios tapuias descem as barrancas do São Francisco, estacionam preguiçosamente nas margens do Rio Verde e acabam gerando (em todos os sentidos) um nova civilização nos galhos do Rio Vieira.
A chamada ressaca moral me pegara tão cheio na quarta-feira de Cinzas que acabei aceitando como verdadeiros todos aqueles conceitos filhos-da-puta de que mulher, para ser mulher, tem que ser santa. Foi aí que caí nas graças de Lindalva, uma miudinha que, por mais que tenha envelhecido, não passa de 15 anos. E mais: não existia, naquele 1983, uma pureza mais pungente do que a de Capítulo 65. Por Lindalva eu colocava não só as mãos, mas os pés, as pernas, os braços, o corpo inteiro no fogo. Com absoluta convicção de que jamais me queimaria ou queimaria alguma peça do meu esqueleto.
Capítulo 65, essa sacrossanta criatura, purificou todos os meus pecados ao me revelar o caminho da libertação, chamado Nosso Senhor. Foi Lindalva quem me ensinou que a base de sustentação do ser humano está na ciência quadrilátera, segundo a qual Jesus Cristo é o caminho, a verdade, a vida e o conhecimento de si mesmo. Aquele banho de bem-aventurança, de fazer o bem sem saber a quem, de seguir fielmente os desígnios divinos, de colocar Deus acima de todas as coisas, todas as vibrações positivas e pudicas de Capítulo 65 me devolveram a auto-estima, a confiança em mim, a vontade de viver. O que me deixava ainda mais fortalecido espiritualmente era o fato de todo esse ensinamento nascer da alma límpida de uma pessoa bem mais nova do que eu, portanto, bem menos experimentada neste mundo cão que nos rodeia.
Saí do buraco negro em que me encontrava e voltei a viver. Após o culto arrepiante, em que uma irmã desfiou as passagens de sua história de Cristiane F., estuprada, drogada e prostituída, graciosamente comovida, Capítulo 65 amparou-se no meu ombro e, entre lágrimas, pediu-me que a levasse a um lugar tranqüilo, silencioso, bonito, confortável, arejado, onde pudesse curtir seu isolamento.
Levei-a para o motel. Sem querer violar os sentimentos e aquela vida puritana de Capítulo 65, fiz mil e uma voltas até convencê-la de que estávamos nos dirigindo a um ambiente rigorosamente familiar. Com o que ela sorriu agradecida.
Peguei a chave na guarita, receoso e cauteloso, levantei o toldo, dei um beijo na mão direita de Lindalva e abriguei o carro. Ela naquele mistério angustiante, olhando para os lados, me interrogando com os olhos, mas confiante nos meus atos. Era a primeira vez que ia àquela Casa do Capetão, disse. O que, de certa forma, me colocava em igualdade de condições com a santinha de olhares esguios com ares de estou com medo.
Abaixei o toldo, Capítulo 65 protegendo-se no meu constrangimento (era a primeira vez que saía com uma virgem), abri a porta, senti aquele bafo quente de janeiro e, sem ter o que falar, pensei em voz alta:
Aqui é muito bom, só falta um ar condicionado.
Capítulo 65, na maior cara-de-pau, tirou os sapatos, fitou-me com o canto dos olhos, puxou uma tampa na cabeceira da cama redonda, apertou um botão e o barulho do ar condicionado invadiu o apartamento. Em seguida, usando o controle remoto que achara não sei onde, ligou a televisão e, para me matar ainda mais de espanto, pegou o interfone de cabeceira e, como velhas amigas, pediu à copeira que trouxesse um Martini com cereja para ela e alguma coisa para mim.
Tomar o quê naquela hora?

Capítulo 66
Ainda compro aquele apartamento
Gisele - Dona Dalva diz para Celestino que doido é virado de gente. Eu também acho. Não é o que acontece com a borboleta, que é virada de lagarta? Com o sapo, que é virado de girino? Com o peixe, que é virado de cabeça-de-prego? Pois doido, também, já foi gente. Tanto é que eu existo e tenho registro em cartório.
Só mesmo um doido como eu poderia aceitar um envolvimento tão profundo com Capítulo 66. O marido de Gisele era tão valente que já fora indiciado duas vezes como mandante do assassinato de dois pistoleiros que lhe serviam na divisa de Minas com o Espírito Santo. Só não foi condenado porque comprara todos os jurados.
Na cidade, quem ousasse olhar simplesmente para a direção em que se encontrava Capítulo 66 era, na seqüência, abordado, advertido, ameaçado, espancado, tirado o saco e finalmente morto. E foi justamente nesse inferno que eu entrei.
Foi assim: acabávamos de tomar uma cerveja na redação do jornal, ali na Praça Capitão Francisco Souza Meira, em Brumado, quando Gisele, inopinadamente, sugeriu que fôssemos para sua casa. E eu, besta como sou, aceitei. Chamei o Tone, paguei a conta, pedi a bênção a padre Osvaldino, peguei Capítulo 66 pelo braço, atravessamos a Rua Exupério Pereira Canguçu e, pouco mais de seis horas depois, chegamos ao prédio do Bairro Todos os Santos, ao lado do campo de futebol do Cassimiro de Abreu.
Foi o primeiro edifício que conheci em que não há porta de entrada nem campainha, mas apenas uma garagem. Uma construção contra o pedestre: quem não tem carro, não entra. Em muitas outras ocasiões tive que gritar Lazinho do meio da rua e com a boca voltada para o céu para que fosse atendido.
Naquele dia, não, pois o Vectra de Capítulo 66 tinha um dispositivo que abria o portão eletrônico apenas com um simples aperto no controle remoto retirado do porta-luvas. Uma novidade para mim e um ponto a mais para Gisele. Todo cheio de mim, fingi que conhecia os segredos do edifício e acendi a luz de entrada. De soslaio, percebi que Capítulo 66 ficara orgulhosa de mim.
Abriu a porta, aceitou um beijo na face, acendeu a luz da sala e ligou a televisão. Ato subseqüente, convidou-me para o quarto. Era o que faltava, pois, devido a esse convite de Gisele, perdi a oportunidade de conhecer o resto do apartamento.
Quando soube do meu relacionamento com Capítulo 66, puto da vida, o valentão vendeu o imóvel. Jurei que, um dia, vou comprá-lo e repetir tudo de novo com Gisele.
Por enquanto, é apenas intenção, mas ainda hei de me vingar.

Capítulo 67
Na hora do vamos ver estava sempre nos dias
Palmira – Ela menstruava todo dia. No fundo, no fundo, eu até que acreditava, mas a menstruação de Palmira era sua auto-proteção, um código para dizer que não queria trepar. Antes, já usara pretextos como cabeça doendo, dor de dente, garganta inflamada, nariz escorrendo, falta de apetite, morte do tio, missa das sete, unha encravada, dor nas virilhas, fogo no estômago, gonorréia.
Capítulo 67 nunca estava disponível. E eu a fim dela. Novidade... Descendente dos xacriabás, Palmira, em 1988, era a estrela maior de Itacambira, uma cidade que não tem longe. Igreja, agência bancária, farmácia, boteco, residências, prefeitura, câmara, posto policial, serviço de alto-falante, cabaré, salão de beleza, pensão, padaria, tudo se localiza numa única rua de terra que começa na serra e termina na serra. Foi com Capítulo 67 que fiquei sabendo que, em tupi-guarani, Itacambira quer dizer “o mato que sai das pedras”.
Foi com Capítulo 67, também, que aprendi a odiar a menstruação. Quando isso acontecia, e parece que acontecia todo dia, eu me desesperava.
Palmira não admitia, em hipótese alguma, transar enquanto persistia o fluxo, mas eu argumentava que, mais grave que uma mulher desovando um futuro Presidente da República era a desgraça provocada pelas medidas eternamente provisórias do Presidente da República em exercício. E quem é que disse que isso a comovia? Ô dó! Ô dia!
Aos 52 anos, Palmira parou de menstruar, vítima da menopausa. E você acha que adiantou? Pelo menos até anteontem, continuava o freezer de sempre, só que mais terna e dengosa. É a responsável pelo Correio Sentimental de um jornal semanário.
De tão perseverante, volta e meia dou-lhe um telefonema e marcamos um encontro que sempre termina em desencanto.
Acho que vou parar de telefonar.

Capítulo 68
Tudo bem, mas esse batom na cueca...
Joana - Luís diz que tudo tem jeito, menos explicar mancha de batom na cueca. Pois eu expliquei. E bem.
A fase final do festival de música popular fora um sucesso. Impossível acreditar que tudo dera certo, Eduardo às 3 da manhã pedindo para os policiais se retirarem, pois a turma do fumo estava a fim de fumar um, os vencedores erguendo os troféus, Ednardo cantando Pavão Misterioso, Ney Matogrosso comemorando o sétimo dia de aniversário do guitarrista Roberto Carvalho, Chita do Padeiro conversando em francês com Peter Del Pino, da Lufthansa, Elias mandando buscar mais duas caixas de cachaça, Fulô acionando Clarice para a solta dos fogos de artifício, Zé do Campo e Zé do Jeep puxando o saco de Luiz Gonzaga, o Gonzagão, Rita me assediando nos bastidores, Goreti fazendo discurso do PT para Geovanda, George Nande defendendo o Galo na lateral. Uma loucura!
Era perfeitamente justo que, depois de comandar um festival que reunira mais de 15 mil pessoas em três dias eu tirasse um tempinho para amar. E foi justamente o que fiz. A querência, minha e dela, era tamanha que adentramos o primeiro hotel, do outro lado da Morada do Parque. Nome do motel: Sossego. Principal prato servido no motel: barata. Prato secundário: rato. Não sei como consegui comer Capítulo 68 em meio a tanta sujeira. E olhe que eu não tinha por Joana o mesmo desprendimento material que teria por Capítulo 74.
É nada não. Horas depois sou sabatinado pela polícia sobre aquela marca de batom na parte de trás da cueca. Evidentemente, eu sabia que Joana fizera aquilo de propósito, a fim de provocar o rompimento do meu casamento com Capítulo 6. Que, ao contrário do que acontece nas histórias de adultério, foi a primeira a descobrir a boca de Joana na traseira da Hering.
Lembrei à Joana que, na noite passada, ela se deitara sobre mim para um rápido coito precoce, colara a boca no chão e, quando me virei, peguei a mancha de seu batom bem ali, encostado na bunda. Tudo explicado, prosseguimos felizes.
Mulher apaixonada acredita até no inacreditável.
É por isso que continuamos felizes até hoje. Já pensou se eu dissesse a verdade?

Capítulo 69
soiràtnemoc meS
Laíce - Estamos juntos há um ano, isto é, desde novembro de 1997. Seu orgasmo é clitorial.
Sem comentários.

Capítulo 70
Só se acalmou quando quebrou o dedo da coitada
Perfídia - A força de superação do homem me fora dada por Damário Dacruz numa poesia que era mais ou memos assim: “A possibilidade de arriscar é que nos faz homens./Vôo perfeito no espaço que criamos./Ninguém decide sobre os passos que evitamos./Certeza de que não somos pássaros e que voamos./Tristeza de que não vamos por medo dos caminhos”.
Medo é uma palavra que não existe no dicionário de Perfídia. Nunca vi uma mulher tão valente como aquela. Encara qualquer parada e, quando não acha de graça, compra briga. Sentávamos à mesa de um bar e, de repente, Capítulo 70 cismava que aquele fiadazunha estava olhando muito para ela. Levantava-se, depois de eu insistir mil vezes para que não o fizesse, ia à mesa do referido e lascava a mão na sua fuça. Não foram poucas as vezes em que isso aconteceu. Andar com Perfídia era sinônimo de presepada. Mais ainda depois que Capítulo 70 passou a ostentar um reluzente calibre 38 na cintura, sem porte de arma nem nada. Qual é o policial que iria desarmá-la? Pois se Perfídia tinha a fama de já ter matado três, fora os que deixou aleijados...
Eu me sentia orgulhoso de gozar da amizade de Capítulo 70 e até fazia propaganda disso. O que me tornava mais respeitado e admirado pelos moradores da Rua de Baixo. Os meninos, então, tinham a maior coisa comigo. Quando passava na rua, eles diziam para que eu ouvisse: “Olha lá o amigo de Perfídia”. Eu levantava o queixo e sorria levemente com os cantos da boca.
Tudo tem seu limite. Era comum naquela época a gente ter amizade. Mas havia ciúme também, o que é muito diferente de hoje. Ignorando essas duas leis da década 80, eu me comprazia com um beijo nos finos lábios de Capítulo 39 quando alguém bateu às minhas costas. Adivinhe quem era? Perfídia desgrudou-me de Doda que, na sua pureza, estufou os olhos, atônita e boquiaberta. Levou uma porrada no nariz que dói toda vez que se lembra. O sangue espirrou por todos os lados. Deu-lhe um telefone nos ouvidos, um chute no lugar do saco e arrancou o seu bigode. Capítulo 39 entrou em pane, enquanto, em vão, eu tentava apartar. É lógico que sobrou para mim. Achando que estava protegendo demais Capítulo 39, Perfídia partiu para cima de mim, me obrigando a ficar fora da briga. Rasgou por inteiro o vestido de Zane e quebrou seu polegar direito. Só aí, quando viu o dedo da menina pendurado, deu-se por satisfeita, limpou as mãos e se mandou.
De certa forma foi bom, pois Capítulo 39 parou de aprontar em Espinosa. Com muita lábia consegui fazer com que as duas se tornassem amigas. Até hoje.

Capítulo 71
Um quebra-quebra na Zona Norte que quase me quebra
Bia – No começo, tudo bem, Bia aceitava tranqüilamente minhas conversas com Capítulo 13 e até incentivava aquela amizade. Com o passar dos tempos, entretanto, ela foi percebendo que a atenção para com Lud crescia e, com isso, ia ficando para escanteio. Mesmo porque Capítulo 13 ficava sempre na cola e procurava imitar tudo que Capítulo 71 fazia. Se me dava uma camisa, Capítulo 13 também dava. Se eu marcasse uma viagem para o Japão com Capítulo 71, Capítulo 13 também marcava. Se Capítulo 71 mudasse de batom, passando a usar um vermelho berrante, Capítulo 13 também mudava.
A coisa foi ficando insustentável. Como é que eu conseguiria conciliar as duas, pois gostava de ambas e não queria vê-las brigando? No carnaval, por comodismo – poderia ficar num hotel da Baixada -, hospedei-me na casa de Capítulo 13, em Guadalupe, não imaginando que a notícia vazaria. À noite, fomos para o Clube dos Oficiais, onde o loló rolava solto e a rapaziada, vestida de mulher, estourava a garganta: “Maêêêê, veja o que aconteceu/Maêêêê, a polícia me prendeu/Me levou pro xilindró/E tomou o meu loló/ E depois inda por cima, mamãezinha/Deu uma cheirada no meu pó ...”
Dali fomos direto para a praia, só voltando às 3 da tarde. A casa de Lud não havia mais. Tudo quebrado. Janelas e portas de vidro, televisão, som, fogão, armários, camas,
penteadeira, mesas, cadeiras, geladeira, ar condicionado, microondas, telefone, guarda-roupas, sofás. Feito o balanço, chegamos à conclusão de que o que não estava quebrado, estava rasgado. Tinha certeza de que aquilo fora obra de Bia, mas não contei para Lud, que chorava feito uma criança.
Fui à casa de Capítulo 71, em Nilópolis, e nem precisei perguntar se fora ela a autora de tamanho vandalismo. Sua mão esquerda estava enfaixada, de tão canhota que era. Apenas sorri. Ainda com raiva, virou o rosto e não quis conversa. Fiz ver a ela que aquilo não tinha sentido, que havia outras formas de se inconformar contra a traição, que Capítulo 13 era apenas um rio que passara na minha vida, que carnaval só acontece uma vez no ano, que... um bocado de asneiras... Enfim, convenci-a a nos sentarmos para conversar civilizadamente, como seres racionais. O que aconteceu na quarta-feira.
Num barzinho da Rua Nascimento Silva, entre Ipanema e Copacabana, pedi três caipirinhas, enquanto, com toda sinceridade, ia tocando no assunto, até revelar a Capítulo 13 quem fora a pessoa que destruíra sua casa. A revelação foi feita de maneira tão competente que, encerrado o encontro, as duas caíam em gargalhadas. A despesa ficou por minha conta. Até hoje estou pagando as prestações.

Capítulo 72
Um corpo que cai não é apenas nome de filme
Arminda – Morar na Vieira Souto, na Avenida Atlântida, num condomímio da Avenida das Américas, na Nossa Senhora de Copacabana ou na Praça Nossa Senhora da Paz é muito seguro para quem vive na cidade mais maravilhosa do mundo. Eu quero ver é você morar numa Francisco Sá, por exemplo, de costas para a favela de Pavãozinho. E era exatamente ali que eu tinha um caso há anos. Uma mulher casada, para não tomar seu tempo com suspense masturbatório.
Sempre que dava um tempo, lá estava eu subindo o elevador antigão, daqueles de grade, para cometer adultério. O apartamento era pequeno, mas acolhedor. Nas paredes, os furos indicavam a data das balas. Os mais vermelhos diziam que foram recentes; os apagados indicavam que ocorreram há anos. O buraco da janela era protegido por uma folha de duretex, o mesmo acontecendo no lugar do ar condicionado. O paredão externo do prédio mais parece uma peneira.
Tarde da noite os tiros pipocam no Pavãozinho, religiosamente. É preciso distinguir entre uns e outros, pois, às vezes, são foguetes avisando que a cocaína ou a polícia chegou. Capítulo 72 não tem nada a ver com tráfico, mas gosta lá de cheirar o seu pozinho. Coisa à-toa, que não faz mal à sociedade, mas a ela própria. O marido, bem, por esse eu mão ponho a mão no fogo, principalmente depois que levou uma cana sacudida por infração aos artigos 12 e 16. O homem era perigoso. Foi nesse interregno que conheci Arminda e por ela me apaixonei.
Mesmo sabendo do risco que corria, acreditava mais no caboclo das matas que fechou o meu corpo desde que nasci. Assim, ignorava a possibilidade de ser flagrado na cama pelo traído e suas escopetas voadoras. Se não tinha medo nem das balas que vinham da favela, ia ter medo de um sacudo como eu? Sai gritando... O valentão acabou entrando pelo cano. Estava na maior animação com Capítulo 72 quando a campainha tocou. “É ele!”, disse ela. “Será?!”, perguntei e respondi, já em pânico.
Peguei as roupas e os sapatos, subi no parapeito da janela, fechei os olhos e pulei. Só posso contar esta história porque havia um monte de brita 2 embaixo, que recebeu o impacto de 72 quilos como uma pena. Saí correndo feito um desvalido pela Francisco Sá, entrei no túnel de Botafogo e só fui parar no Aterro do Flamengo.
Fiquei três dias com as pernas para cima, os pés pepinados e sangrando. Até hoje não acredito que sobrevivi a uma queda do quarto andar.

Capítulo 73
Que mal há em uma mulher ser ignorante?
Terê – Idiotazinha, mas gostosa. Talvez fosse esta a forma de descrevê-la, mas jamais cometeria a indelicadeza de idiotizar uma mulher que me faz bem. Se eu não faço isso com as que não conheço, imagine com uma pessoa que está permanentemente dentro do meu coração.
Capítulo 73 não tem nada de idiota. Ao contrário, é espertíssima. Tolos são os que acham assim. É certo que, para ela, a capital do Peru é Carinhanha; que não saiba quem foi Hitler ou Nabucodonosor, mas isso não tem nada a ver. Poderiam condená-la só por não saber o nome do presidente da República? Que importância tem isso? Outro dia, ao ler a Folha de S. Paulo, pensei em voz alta que os Estados Unidos ameaçavam, pela enésima vez, invadir o Iraque. Ela ficou perplexa: “O que é isso?”
Aqui mesmo no Brasil acontecem fatos interessantes com Terê. Viajando para Salvador, ela tomou um choque e pediu que eu freiasse. O que é? “Você não está vendo a placa? Tem um viajante a 100 metros”. Era variante. Numa recepção de casamento da noiva milionária, ela comera, sob meus olhar desapercebido, um guardanapo pensando que fosse beiju. E lavou as mãos com o cálice de contreau. Só Newtão, algum tempo depois, conseguiria superá-la em termos de gafes.
Mas tudo isso é irrelevante quando você se deita com Capítulo 73. Você, aí, é só simulação, pois você jamais a terá sob seus pés. Terê se apegou de tal forma comigo que não quer saber de mais ninguém. Vira e mexe está virando e se mexendo no meu lençol. E pedindo bis. Não vai a uma festa sem mim, está sempre por perto, conhece todos os meus segredos, assim como conheço os dela, faz tudo que mando, assim como faço tudo que pede.
É por isso que, anteontem, estranhei quando Capítulo 73 recusou-se a deitar comigo. Gaguejou, fez que ia embora, voltou, sacudiu negativamente a cabeça, desculpou-se, disse que ia não sei pra onde, pediu um copo d’água, afastou um beijo na boca, penteou os cabelos com a mão, chupou uma bala, tornou a gaguejar que não... Quando eu já estava perdendo a paciência – o que dificilmente acontece -, Terê apontou para baixo e cochichou: “Está saindo um sanguinho aqui”.
Estava menstruada.

Capítulo 74
Sem ela o mundo não existiria
Pira – É a mulher da minha vida. Dei mil e uma voltas, fingi que não, menti para mim mesmo e para meus chegados, dei murro na parede, bati a cabeça na ponte, pulei do quarto andar, saltei fogueiras, gozei com várias dessas, fiz declarações de amor a um milhão de outras, mas acabei entrando no funil e caindo de cheio em cima de Capítulo 74.
É muito difícil formar uma seleção e Wanderley Luxemburgo sabe disso. Você tem que escolher, num universo de craques, aqueles 11 que vão entrar em campo. Isto em se tratando de futebol, que você vê toda hora na televisão, que a mídia acompanha e informa quais são os melhores, que os grandes clubes já fazem sua pré seleção traduzida pelos milhões investidos, que se trata de uma atividade pública, portanto, à vista de todos.
Imagine uma seleção de mulheres, na qual o principal elemento é a subjetividade. Você está lidando diretamente com o sentimento, que não é concreto nem palpável.
Abstraindo-se, você se relaciona com o espírito, que não se vê; com o ego, que não se pega; com a alma, que não se cheira; com a paixão, que não se come (ou come?). Daí a minha dificuldade em, dentre tantas figuras carimbadas, dentre tantos amores sedimentados, escolher apenas 74 para compor este livro. Um sacrifício tremendo, com grande risco de se cometer injustiça. Peço desculpas, portanto, às que ficaram de fora. E, especialmente, às 73 anteriores. O consolo, para todos esses meus amores (no livro ou fora dele), é que Pira é a essência de todos eles. O supra-sumo. É como se você pegasse todos os capítulos e os misturassem num liqüidificador. Seria obtida uma substância de alta linhagem, de teor altamente enriquecido, uma matéria repleta de calor, hombridade, carinho, compreensão, delicadeza, magnanimidade, paciência, sacanagem, fé, descrença, dúvidas e soluções chamada Capítulo 74.
Pira é indecepcionável, inenarrável, inseparável, inesquecível.. Por ela fiz loucuras das quais nunca me arrependi. É a ela que recorro nos piores momentos da vida e de quem sempre tenho a mão acolhedora, o sorriso aberto e o corpo majestoso para me repousar. Não existem melhores momentos sem a participação de Capítulo 74.
Pira é minha musa, minha música, meu viver, minha vontade, meu humor, meu sabor, minha arte, meu comer, meu querer, meu beber, meu dia, minha noite, minha madrugada, meu despertar, meu adormecer, minha vitória, minha escrita, meu mouse, meu computador, meu beijo e meu abraço. Pira é tudo que passou e tudo que existe, na reencarnação freqüente de todas as mulheres que amei – e continuo amando. Todas as minhas peripécias, todos os meus prazeres, tudo que eu amo, tudo que eu quero. Assim é Capítulo 74 e é por isso que, todos os dias, eu agradeço a Deus por (ela) existir.
Sem Pira não haveria mundo. Nem eu.