sábado, março 31, 2012

RAPUNZEL DO VIDIGAL QUER VENDER TRANÇAS POR 10 MIL

Não adianta gritar "Jogue suas tranças". Nascida em uma comunidade que cresceu em meio à violência, a Rapunzel do Vidigal, Rio de Janeiro, não abre a porta para estranhos. A casinha onde a dona da impressionante cabeleira de 1,60m vive com os pais e o irmão parece vazia. Mas, logo, a mãe aparece na rua.
— Ela está em casa, sim, mas está guardada. Nem pro irmão abre. Só para mim — diz Catarina Moraes, de 40 anos, com as chaves do "castelo" nas mãos.
Às 16h, Nathasha Moraes de Andrade, de 12, dorme no quarto. No cômodo apertado, sem janelas, mal cabem cama e estante. Mas ele é decorado com bonecas, desenhos de princesas e até castelo de brinquedo. Seu sonho é vender a cabeleira por R$ 10 mil para construir aposentos dignos de princesa no terreninho dos pais, ao lado da casa na favela.
A família, católica praticante, ouve sempre a pergunta: "Foi promessa?". Eles juram que não. Tímida e criativa, Nathasha se apaixonou pela heroína dos contos de fada ao ver o filme "Barbie Rapunzel". Jamais deixou que lhe cortassem os cabelos. A mãe fez a vontade da menina. Criada na roça, Catarina prefere que a filha conviva com personagens da ficção infantil a enfrentar a realidade violenta.
— Criança de comunidade não pode ficar na rua. É perigoso — decreta a mãe.
O que era sonho virou prisão. Nathasha não suporta aulas de educação física por causa do peso do cabelo. Evita ir à praia. Caseira, adora brincar com seus animais, como o jabuti Tiririca e os gatos Chilindrina, Sonequinha e Nina, além de gansos, perus e coelhos criados pela mãe no terreno. O irmão Caíque, de 6 anos, quer fazer escolinha de futebol, mas o cabelão amarra a todos dentro de casa. E quando chegar a hora do sonhado corte?
— Vou sentir falta do cabelo — suspira Nathasha, penteando a cabeleira que já envolveu toda a comunidade, e virou lenda dentro do Vidigal.
O DIÁRIO DA RAPUNZEL
1 - Pentear os cabelos da Rapunzel parece um dos 12 trabalhos de Hércules: é uma hora e meia de maratona para lavar, e de quatro a cinco, para pentear. Quem encara essa dura tarefa é a mãe, Catarina. Os fios são molhados e massageados, esfregando-se a cabeleira com as mãos, como se fosse lavagem de roupa. O ritual acontece uma vez por semana, sempre aos sábados.
2 - "Eu vou, eu vou, pra casa agora eu vou". Em época chuvosa, o lema dos sete anões serve como uma luva — de pelica e rosa, claro — para a menina do Vidigal. Por causa do cabelão, ela evita tomar chuva, com medo de que os fios mofem. Se algum pingo cai nas madeixas, é preciso encarar novas seis horas e meia para lavar e pentear o cabelão.
3 - Xampu, para a Rapunzel, é como espinafre para o Popeye. Indispensável. Um vidro de 500ml, pasmem, dá só para duas lavagens. O ritual fica completo com condicionador e óleo de hidratação. "Nunca deixo de lavar, nunca. Se não tenho dinheiro, eu pego fiado na farmácia. Vendo uma galinha e pago o xampu. Mas pago", diz a mãe, que gasta cerca de R$ 70 por mês com a manutenção da cabeleira.
4 - No dia a dia, Nathasha trança os cabelos como uma princesa medieval. Parece Guinevere, mocinha disputada por Rei Artur e Sir Lancelote, nas histórias da Távola Redonda. Os cabelos são trançados e enrolados em dois rabos de cavalo. O enorme penteado lhe ocupa até o meio das costas. E serve para a menina passear pelas ruas sem chamar — tanta — atenção.
5 - "Você é a Rapunzel de verdade?", pergunta uma menina. "Joga as tranças", grita um rapaz, já doido para ser o príncipe. Se solta as tranças, Nathasha atrai todas as atenções na rua. "Na escola, meu cabelo faz sucesso. Nunca tive problema", diz. (Clarissa Monteagudo)

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