Relatório da Polícia Federal (PF), divulgado ontem, quarta-feira (20), sinaliza que a montagem do chamado “dossiê tucano” foi acertada em 2009, em Brasília, quando o jornalista Amaury Ribeiro Júnior descobriu que o deputado Marcelo Itagiba (RJ) reuniu um grupo de espionagem, a serviço de José Serra, para devassar a vida do ex-governador de Minas Aécio Neves. Mas a documentação começou a ser reunida bem antes, no início de 2008, em Belo Horizonte.
No primeiro trimestre de 2008, muito antes de se decidir sobre os possíveis candidatos à Presidência, o dossiê já era montado na capital mineira. A investigação do jornalista mirava as movimentações financeiras das empresas ‘Decidir.com’, com sede nas Ilhas Virgens, e Patagon, na Argentina.
Repórter especial do jornal “Estado de Minas”, Amaury Ribeiro Júnior foi o responsável pelo levantamento, com base nos dados produzidos durante as investigações da CPI do Banestado, iniciada em 2003, sobre a evasão de divisas do Brasil para paraísos fiscais entre 1996 e 2002 – cerca de US$ 84 bilhões.
Ainda no início de 2008, durante a produção do dossiê, Amaury Ribeiro Júnior manteve contato com José Serra, em São Paulo, depois de fazer todas as apurações das movimentações das duas empresas suspeitas de lavagem de dinheiro, e que pertenciam a Verônica Serra, filha de Serra, e Verônica Dantas, irmã de Daniel Dantas, dono do Banco Opportunity. Com o conhecimento do dossiê, Serra viajou para Belo Horizonte, onde participou das comemorações dos 80 anos do jornal “Estado de Minas”, em festa no Palácio das Artes para 2 mil convidados.
Além dele, outro governador presente foi José Roberto Arruda, do Distrito Federal, cotado para ser o vice de Serra, indicado pelo DEM, numa chapa com o PSDB. Arruda acabou perdendo o seu mandato no ano passado, após série de denúncias contra seu Governo. Estava presente ainda seu vice, Paulo Octávio, que também caiu.
O assunto dominante na noite foi o recado a José Serra dado, indiretamente, em discurso pelo diretor do jornal, Álvaro Teixeira da Costa: “Não mexa com Minas, que Minas reage” – referência à possível espionagem de Itagiba contra Aécio Neves.
No final do ano passado, quando os nomes da corrida presidencial estavam praticamente definidos, o jornalista deixou o jornal. A notícia do dossiê chegou à cúpula tucana. O caso foi abafado.
Com a documentação em mãos, Amaury Ribeiro Júnior se encontrou com Luiz Lanzetta, responsável, até então, pela coordenação de comunicação da campanha de Dilma Rousseff à Presidência. O encontro aconteceu em abril, em Brasília. Amaury confirmou que, durante o período em que ficou em Brasília, negociou com a equipe da pré-campanha de Dilma Rousseff. O jornalista ficou hospedado num flat e as despesas teriam sido pagas por “uma pessoa do PT” ligada à candidatura governista.
A notícia de que Lanzetta participava da montagem do dossiê fez com que a direção do PT o afastasse. Ele deixou a campanha em junho, após a revelação do caso, negando participação na reunião dos documentos, que havia começado em 2008. Até o final de 2009, o levantamento em torno da movimentação de recursos feita pelas empresas da filha de Serra e da irmã de Dantas já estava concluído. Em nota, a PF afirma que ficou constatado que os dados do dossiê foram utilizados para elaboração de relatórios, “mas não foi comprovada sua utilização na campanha política”.
Por meio de sua assessoria, o senador eleito Aécio Neves rechaçou, ontem, qualquer ligação com o episódio, e disse que a prática de quebra de sigilo nunca fez parte de sua trajetória política, “em mais de 20 anos de vida pública”. Itagiba também negou ter participado de um grupo de espionagem a serviço de Serra. O jornal “Estado de Minas” “entende que isso (denúncias) é normal e recorrente às vésperas da eleição”.
Conforme a PF, Amaury confirmou que pagou R$ 12 mil ao despachante paulista Dirceu Garcia para obter as informações sobre os tucanos entre setembro e outubro de 2009. O jornalista não revelou de onde teria saído o dinheiro. A PF ouviu 37 pessoas. Amaury Júnior pode ser indiciado por violação de sigilo funcional e corrupção.
A investigação da Polícia Federal, praticamente concluída, informa que o jornalista levantou as informações para o jornal “Estado de Minas”. Na época, outubro do ano passado, ele trabalhava para o jornal. Amaury pagou R$ 12 mil ao despachante Dirceu Rodrigues Garcia que, a partir de uma rede de auxiliares, obteve os dados de Eduardo Jorge na Receita Federal.
Em depoimento de oito horas à Polícia Federal, Amaury disse que ano passado, quando estava no “Estado de Minas”, foi escalado para investigar um suposto esquema de espionagem, contra o ex-governador Aécio Neves (PSDB), que teria sido montado por um suposto grupo do deputado Marcelo Itagiba (PSDB-RJ), ligado a Serra. Ele e Aécio eram potenciais candidatos do PSDB à presidência da República. O jornalista disse que, ainda em outubro do ano passado, entregou um relatório do caso ao “Estado de Minas” e deixou o jornal. As informações não foram publicadas.
No início deste ano, Amaury, que mantinha cópia do relatório em seu computador pessoal, foi chamado pelo empresário Luiz Lanzetta para montar uma equipe de inteligência da campanha de Dilma Rousseff. A tarefa seria conter vazamentos de informações do comitê central da campanha da ex-ministra.
A formação da equipe de inteligência – que contaria com a participação do sargento da reserva da Aeronáutica Idalberto Mathias, o Dadá, e o delegado aposentado da Polícia Federal Onésimo Souza – foi abortada antes da criação do grupo. Lanzetta se desentendeu com Onézimo sobre valores e o tipo de serviço que seria prestado.
Depois da briga, o caso foi tornado público e se transformou num dos grandes escândalos da campanha eleitoral. A partir daí, os deputados José Eduardo Cardozo (PT-SP) e Marcelo Itagiba pediram à PF para investigar a denúncia. Sete pessoas já foram indiciadas.
Origem em BH - 2008
- Antes de se decidir os possíveis candidatos à Presidência, um dossiê começou a ser montado em Belo Horizonte. A intenção era de levantar a movimentação financeira das empresas Decidir.com., com sede nas Ilhas Virgens, e Patagon, na Argentina.
- Jornalista com vínculo profissional com o jornal “Estado de Minas”, Amaury Ribeiro Júnior foi o responsável pelo levantamento do material, com base na CPI do Banestado, em 2003. A CPI investigou a evasão de divisas do Brasil para paraísos fiscais entre 1996 e 2002, num total de cerca de US$ 84 bilhões.
- Durante a produção do dossiê, o jornalista manteve o contato com José Serra, em São Paulo, depois de fazer todas as apurações das movimentações das duas empresas. A Decidir.com e Patagon eram das sócias Verônica Serra, filha de Serra, e de Verônica Dantas, irmã do banqueiro Daniel Dantas, dono do Banco Opportunity.
- Com o conhecimento do dossiê, Serra viajou para Belo Horizonte para participar das comemorações dos 80 anos do jornal “Estado de Minas”. Além dele, outro governador presente foi José Roberto Arruda, do Distrito Federal, cotado para ser o vice indicado pelo DEM numa chapa com o PSDB. Arruda acabou perdendo mandato.
O assunto dominante na noite era o recado claro a José Serra, dado inclusive, indiretamente, no discurso de um dos diretores do jornal, que garantiu: “Não mexa com Minas, que Minas reage”.
Conclusões da PF - 2009
- Os dados dos tucanos foram encomendados pelo jornalista Amaury Ribeiro Júnior. jornalista não só fazia a encomenda dos dados obtidos ilegalmente em agências da Receita em São Paulo, mas ia a capital paulista buscar os documentos. As viagens eram pagas pelo jornal.
- Amaury confirmou que pagou R$ 12 mil ao despachante Dirceu Rodrigues Garcia, que trabalha em São Paulo. A PF não sabe de onde saiu o dinheiro.
- Garcia confirmou que Amaury pagou pelos dados do genro de José Serra, Alexandre Bourgeois, do dirigente tucano Eduardo Jorge, das sócias Verônica Dantas e Verônica Serra, além de outros integrantes do PSDB.
- O jornalista decidiu fazer a investigação depois de descobrir que o deputado Marcelo Itagiba (PSDB-RJ) estaria comandando um grupo de espionagem a serviço de José Serra para devassar a vida do ex-governador Aécio Neves que tinha a intenção de disputar a Presidência.
- Depois de deixar o emprego no jornal, no final de 2009, o jornalista participou de uma reunião, em abril passado, com integrantes da pré-campanha de Dilma Rousseff, em Brasília.No encontro, estava presente o delegado Onésimo de Souza.
- O delegado afirmou à polícia que foi chamado para cuidar da segurança do escritório do jornalista Luiz Lanzetta, responsável, até então, pela coordenação de comunicação da campanha de Dilma. Lanzetta deixou a campanha em junho, após a revelação do caso, negando que teria participado da criação do dossiê. (Reportagem: Alexandre Simões e Alex Capella)
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